Funcionalismo fará ato na Praça da República no dia 29 de maio

O Fórum do Funcionalismo Público, que agrega diferentes categorias de sindicatos filiados à CUT São Paulo, definiu em reunião na terça-feira, 26, realizar ato unificado em 29 de maio, Dia Nacional de Paralisação e Manifestações.  A concentração será às 16h, na Praça da República.

O Dia Nacional de Paralisação é contra a  aprovação da terceirização sem limites,  contra as MPs 664 e 665 que corta direitos dos trabalhadores,  pela reforma política e pelo fim do financiamento empresarial de campanha.

Além das bandeiras nacionais, os servidores públicos criticam o descaso do governo Geraldo Alckmin (PSDB) que nega as greves e não negocia com o funcionalismo.

Ajuste Fiscal do Governo: Mais uma pedra no caminho da classe trabalhadora

A equipe econômica do governo anunciou, na última sexta feira, 22 de maio, um contingenciamento de quase R$ 70 bilhões no orçamento federal para 2015. O corte afeta os investimentos públicos, programas governamentais e áreas que atendem a população mais pobre, prejudicando políticas públicas fundamentais como PAC e FIES.

Os Ministérios mais afetados foram os da Saúde, Educação, Transportes e Cidades, que responderão por cerca de R$ 40 bilhões do total do contingenciamento.

O objetivo da equipe econômica é conseguir cumprir a meta de superávit primário de 1,2%, provar ao “mercado” que tem o controle das contas públicas e, assim, não perder o “grau de investimento” – avaliação de risco do País, feita pelas agências internacionais. Manter o grau de investimento tem sido o grande esforço do governo. Mas, o preço tem sido muito alto. Em nome desse objetivo, o ajuste econômico realizado tem colocado a economia em recessão, gerando desemprego e arrocho salarial.

Além de resultados questionáveis, essa política de cortes fiscais vai prejudicar ainda mais a economia brasileira, piorar o desempenho para 2015, gerar um cenário negativo nos anos seguintes, dificultando ainda mais que a economia saia da estagnação que se encontra.

Essa política de forte ajuste econômico recessivo compromete todas as conquistas sociais e econômicas dos últimos anos. 

A CUT defende uma política econômica que priorize o desenvolvimento sustentável com distribuição de renda, inclusão e justiça social. Se, para o governo, é necessário fazer um ajuste, que isso seja feito com uma reforma tributária que onere mais a renda e o patrimônio do que o consumo, que taxe as grandes fortunas e reduza a taxa de juros, estimulando o consumo interno e a retomada do crescimento econômico. 

São Paulo, 26 de maio de 2015

 

Vagner Freitas

Presidente Nacional da CUT 

Presidente do Banco Central aponta retomada do crescimento em 2016

Em audiência pública, nesta terça-feira, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, afirmou que 2015 é “um ano de transição”, e que a inflação atingirá a meta de 4,5% no final de 2016, contra o patamar atual de 8%. 

Tombini lembrou que a normalização das condições monetárias dos EUA está em curso, e que a economia brasileira precisa estar em ordem e estabilizada quando esse processo for consolidado. 

Segundo ele, o País deve fechar o ano com saldo positivo na balança comercial. Já a inflação só voltará para o centro da meta oficial (4,5%) em dezembro de 2016. A consistência fiscal, de acordo com ele, com a obtenção de superavits primários, será fundamental para isso.

O presidente do BC afirmou aos deputados e senadores que a alta inflacionária atual é provocada por dois fatores independentes: a alta do dólar no mercado internacional, que provoca realinhamento de preços no mercado interno; e os reajustes de preços administrados, como de luz e combustíveis, que vêm ocorrendo desde o ano passado.

“Querem acabar com o PT por medo de Lula voltar”, diz Chico Buarque

Em entrevista ao jornal espanhol El País, o compositor Chico Buarque falou sobre o momento político do Brasil e destacou seu apoio ao PT. “Eu tomo partido e não tenho qualquer problema em declarar isso. Sempre apoiei o PT, agora a Dilma Rousseff e antes o Lula. Apesar de não ser membro do partido, de ter minhas desavenças e de votar em outros candidatos e outros partidos em eleições locais. Mas sempre soube que o problema deste país é a miséria, a desigualdade. O PT não resolveu tudo, mas conseguiu atenuar. Isso é inegável. O PT tem melhorado as condições de vida da população mais pobre.”

Chico Buarque reforça que o momento político é “confuso”. “Há uma onda de manifestações nas ruas que, na minha opinião, não têm um objetivo concreto ou claro. Entre aqueles que saem às ruas há de tudo, incluindo loucos pedindo um golpe militar.”

O compositor afirma ainda que há um setor que quer “acabar com o Partido dos Trabalhadores”.  “Querem enfraquecer o Governo para que, em 2018, o PT chegue desgastado nas eleições. O alvo não é a Dilma, mas o Lula; têm medo que Lula volte a se candidatar.”

Ferroviários devem adiar greve até a próxima semana

Os representantes dos trabalhadores da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) indicaram na manhã de hoje (26) que devem suspender a paralisação agendada para amanhã (27). Em audiência de conciliação no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região, a empresa melhorou a proposta inicial de reajuste salarial de 6,65% para 7,72%, aplicável a todos os benefícios. O desembargador Wilson Fernandes pediu que a CPTM avalie aplicar mais 0,5% somente aos benefícios, para se aproximar do índice sugerido por ele ontem (25), de 8,25% de reajuste.

“Inicialmente a empresa queria pagar somente a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fipe. Eu sugeri o IPC mais 1,5% aplicando a todos os benefícios. Hoje eles apresentaram o IPC mais 1%. Eu acho que é possível a empresa colocar esse meio por cento que falta em benefícios como sugeriu o Ministério Público do Trabalho. Se forem concedidos benefícios que não tenham natureza salarial o impacto na folha de pagamento é menor. Então é possível”, defendeu Fernandes.

O desembargador pediu aos trabalhadores para suspender a greve até a próxima reunião, na terça-feira (2), às 11h30. “Não me parece prudente ir à paralisação antes de encerrar as negociações. Porque a negociação se encerra e vai para dissídio, o que não é bom para ninguém. Se no dia 2 as coisas não avançarem, aí vocês fazem o que acharem melhor”, afirmou.

Na sexta-feira (22), o próprio Fernandes concedeu uma liminar à CPTM, proibindo a liberação de catracas pelos trabalhadores e determinando um contingente mínimo em operação em caso de greve. Nos horários de pico deve permanecer 90% do efetivo de maquinistas e 70% das demais atividades. E 60% de todos os trabalhadores nos demais horários.

Os ferroviários indicaram a aceitação da proposta feita ontem pelo TRT, de 8,25%, desde que acompanhada pela equiparação dos benefícios – vale-alimentação (VA), vale-refeição (VR) e auxílio-creche – com os metroviários. “É uma proposta muito possível de ser aceita pela categoria”, ponderou o presidente do sindicato da região Sorocabana (linhas 8-Rubi e 9-Esmeralda), Izac de Almeida.

Hoje os ferroviários recebem R$ 600 de vale-refeição e R$ 247 de vale-alimentação. Para efetivar a equiparação como os trabalhadores do Metrô, o VA teria de ser corrigido em cerca de R$ 50 e o VR em R$ 30. A categoria tem assembleia hoje, às 18h30. Como são três sindicatos – Ferroviários de São Paulo, da Zona Sorocabana e da Central do Brasil –, as discussões serão realizadas em locais diferentes.

“Do jeito que a proposta está hoje, não atende o anseio da categoria. Isso não vai ser motivo para suspender a greve. A razão para não fazer a paralisação é a proposta da mesa. Eu acredito que a gente consegue chamar a categoria à razão para entender que pode ser mais interessante aguardar até o dia 2.”, concluiu Almeida.

Metroviários

Também com greve marcada para amanhã (27), os trabalhadores do Metrô devem suspender a paralisação. A categoria tem uma nova reunião de negociação no próximo dia 2. E segundo uma fonte próxima à direção, a avaliação é de que paralisar os trabalhos agora impediria qualquer avanço. A assembleia da categoria será realizada ainda hoje, no início da noite.

Ontem, a desembargadora Ivani Contini Bramante, do TRT, propôs 8,82% de reajuste, incluindo reposição e um percentual a título de produtividade. O índice total seria aplicado também para vale-refeição, vale-alimentação e participação nos resultados.

Os metroviários reivindicam reajuste salarial de 18,64%. O Metrô ofereceu 7,21%, referente à variação acumulada do IPC-Fipe.

Inscrições para o Enem 2015 estão abertas

As inscrições para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2015 estão abertas desde às  10h desta segunda-feira, 25. Os candidatos poderão se inscrever até o dia 5 de junho. Os interessados em participar do exame devem se inscrever pela internet, no portal enem.inep.gov.br. As provas serão realizadas no fim de semana de 24 e 25 de outubro.

São isentos da taxa de inscrição os alunos que concluem o ensino médio em 2015 e estão matriculados em escolas da rede pública e as pessoas que se declararem carentes. O restante dos participantes deve pagar a taxa de R$ 63, até o dia 10 de junho

A nota do Enem é usada como seleção de alunos de 115 instituições públicas de ensino. Também é critério para bolsas do Programa Universidade para Todos (ProUni), Financiamento Estudantil (Fies) e para participar do programa Ciência Sem Fronteiras (CsF). As vagas gratuitas dos cursos técnicos oferecidos pelo Sistema de Seleção Unificada da Educação Profissional e Tecnológica (Sisutec) também são por meio de nota do Enem. Além disso, estudantes maiores de 18 anos podem também obter a certificação do ensino médio por meio do Enem

Transporte também vai parar no dia 29 de maio

Os trabalhadores do setor de transporte da capital paulista, interior e Baixada Santista confirmaram a participação  no Dia Nacional de Paralisação, 29 de maio, organizado pela CUT com apoio de outras centrais sindicais e do movimento sindical.

Neste dia o Sindicato dos Químicos fará assembleias e paralisações nas principais fábricas do setor.


Os trabalhadores vão à luta contra o projeto de terceirização sem limites, aprovado na Câmara dos Deputados como Projeto de Lei 4.330 e que agora tramita no Senado como PLC 30, as Medidas Provisórias 664 e 665, que restringem o acesso ao abono salarial, auxílio-doença e seguro-desemprego, e o ajuste fiscal.

Além dos condutores e rodoviários, os metroviários de São Paulo estão com greve marcada para começar no dia 27. 

Projeto que regulamenta a terceirização está no Senado

O projeto que regulamenta a terceirização sem limites já foi aprovado pela Câmara dos Deputados e está no Senado. O projeto não garante os direitos de quem já é terceirizado e piora a situação dos trabalhadores formais que devem ser demitidos e terceirizados.

A CUT lançou uma publicação que explica o que pode acontecer com os trabalhadores se o projeto for aprovado também no Senado. Fique por dentro, você pode ver a cartilha neste link: http://www.quimicosabc.org.br/system/uploads/materiais/240/arquivo/propostascutterceirizacao.pdf

 

Redução da maioridade: hipocrisia não combate violência

José Ferreira tem 26 anos. Trabalha desde os 17, hoje como operador de estacionamento em Interlagos, na zona sul de São Paulo, região onde também vive com a atual mulher e a enteada de 7 anos; o filho de 6, do primeiro casamento, mora em Minas Gerais. “Vou voltar a estudar e a fazer faculdade. O trabalho e o amor da família fazem o homem crescer”, acredita. Sua vida é a de cidadão comum, mas já esteve muito perto de não ser. Há dez anos, “levado por um impulso”, com um grupo de amigos da mesma idade, cometeu um ato infracional e foi apreendido. Sentença: oito meses de liberdade assistida, cumpridos no Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca), de sua região.

“Esse período teve importância fundamental na minha vida. Eu estava iludido com o poder da criminalidade. Ali percebi do que sou capaz e onde eu posso chegar. Muitos jovens chegam ali sem apoio da família e da sociedade e se sentem úteis somente para o crime”, relata Ferreira. Ele não tem dúvida sobre a necessidade de pagar pelos erros. “Tem que ter punição sim, não importa a idade. Mas só punir não resolve. O jovem precisa ver que o mundo é mais. Tem de ter perspectiva e oportunidade.”

No período da medida, ele teve acesso a atendimento psicológico, atividades culturais e a uma série de cursos, entre os quais de vidraceiro, oferecido pela União Brasileira de Vidros, e de auxiliar administrativo, pelo Senai. Também participou de reuniões e debates com finalidades terapêuticas. “Passei a ver a vida de forma diferente. Percebi o meu potencial”, afirma. Dali em diante, tomou novo rumo. Mas seu destino poderia ser outro se tivesse ido parar em uma prisão de adultos.

O pintor Elias Gonçalves de Oliveira, de 43 anos, sabe o que isso quer dizer. Hoje é casado, tem um filho de 11 anos e trabalha como autônomo, “sempre que aparece alguma coisa”. Parou de estudar aos 15 para trabalhar na feira e, aos 19, “quis aproveitar uma oportunidade de fazer uma grana”. Ficou quatro anos preso. “Inferno. Perdi a conta de quantas vezes dormi sentado, ou não dormi, porque nem para sentar dava. Tensão todo dia, muita treta. Tinha muito pouco o que fazer, fiz um curso de panificação que não serviu para nada”, resume.

Depois de cumprir a pena, Elias percebeu que a punição não estava encerrada. “O sistema prisional é que nem uma chaga. Nunca sai de você. Toda vez que procurar trabalho, precisar de um documento, vão te olhar como bandido.” Emprego não encontrou mais. Desistiam dele, assim que pediam atestado de antecedentes, até que ele próprio passou a desistir. Após um ano e meio sem trabalho, voltou ao crime. E novamente foi detido. Mais três anos e meio de reclusão. “Achei que a vida estava perdida.”

Ao sair, reencontrou a madrinha que não via havia uma década. Foi morar em outro bairro com ela e conseguiu um trabalho como ajudante em um mercado local. Fez amizade com um pintor e aprendeu a profissão. “É só com Deus. O sistema não te deixa brecha. Se cair acabou. Só se aparecer um anjo”, diz, em referência à madrinha.

O rumo encontrado por José Ferreira depois de oito meses de medida socioeducativa poderia ter-lhe custado dez anos de vida, como custou a Elias, se a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos já estivesse em vigência. Ou poderia não ter sido encontrado jamais, porque nunca se sabe o que o sujeito vai virar numa penitenciária convencional, à mercê do crime organizado, do preconceito, sem oportunidade de estudar, de se capacitar profissionalmente e de buscar um lugar no mercado de trabalho com a “ficha limpa”.

Ainda assim, a Câmara dos Deputados discute uma proposta de emenda constitucional com a finalidade de reduzir a maioridade. A PEC 171 está sendo analisada por uma Comissão Especial na Câmara. Se passar dali, vai a duas rodadas de votações no plenário, onde precisa de aprovação por três quintos dos parlamentares (308 deputados). Uma vez aprovada, segue para o Senado, onde requer o mesmo expediente: passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e por duas votações, nas quais precisa dos votos de no mínimo 54 dos 81 senadores.

“Reduzir a maioridade penal interessa apenas à chamada bancada da bala, que é a corporação dos deputados que defende os interesses da área de segurança e o endurecimento das leis. É o mesmo grupo que se insurgiu contra a proibição do uso de armas no Brasil, porque para eles interessa esse mercado”, avalia o professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) Roberto da Silva, ele próprio um ex-interno da antiga Fundação para o Bem-Estar do Menor (Febem).

 

Boas práticas

Apostar na articulação com parceiros e no atendimento humanizado dos jovens tem sido o segredo das unidades de ressocialização bem-sucedidas do país. É assim na unidade Terra Nova da Fundação Casa, em Itaquaquecetuba, município da região metropolitana de São Paulo. Lá somam-se gestão engajada, Judiciário ágil, prefeitura participativa e uma comunidade que tomou a responsabilidade pelos jovens para si. E os resultados aparecem: dos 74 que passaram pela unidade no ano passado, apenas dois reincidiram.

“Nós nos preocupamos menos com os números e mais com as respostas que obtemos dos jovens. Depois que saem, fazem questão de nos ligar para dizer o que estão fazendo, se conseguiram emprego, se terminaram a escola e até para pedir conselho. Semana passada, um deles veio pedir uma impressão de documentos requisitados no emprego novo. Nós nos tornamos uma referência”, avalia o diretor da unidade, Fernando Lopes, enquanto exibe uma coleção de desenhos, cartas e pinturas que ganha de presente dos meninos.

A participação da comunidade faz a diferença. Frequentemente, empresários da região promovem encontros para discutir o mercado de trabalho e orientar os adolescentes. Alguns acabam contratados. As famílias participam ativamente da vida dos internos.“Trazemos artistas das periferias para conversar com eles. Pessoas que também foram vítimas de privações e que encontraram na arte uma saída. Existem muitos caminhos”, garante Lopes.

“Quando cheguei aqui não sabia ler nem escrever, agora já estou conseguindo. Sonho em terminar a escola e estudar Mecatrônica, que conheci em um curso daqui”, conta MB, de 13 anos. Empenhado nas aulas de reforço, ele frequenta a biblioteca e gosta especialmente das atividades de arte-educação. No dia em que a reportagem visitava a unidade, 23 de abril, seria exibido o clássico Fahrenheit 451, filme do diretor francês François Truffaut, inspirado em romance de 1953, do norte-americano Ray Bradbury.

LW prefere o basquete. Passa todo o período de lazer na quadra treinando arremessos, ao som de clássicos do rock. Cada cesta é comemorada com um dos educadores da unidade, que joga e se diverte com ele. “Não sabemos nem sequer o que eles fizeram para estar aqui. O que nos interessa é o que vão fazer daqui para frente”, afirma a coordenadora pedagógica da unidade, Érika dos Santos.

Os jovens permanecem na unidade em média por oito meses. Assim que chegam são matriculados na escola e passam a ter rotina puxada, preenchida com atividades, reforço escolar e cursos profissionalizantes. Atualmente são oferecidos cursos de 50 horas de Lancheiro, Chapeiro, Pintura e Decoração em Madeira para os 33 internos.

No dia a dia, há espaços para uma das atividades fundamentais da adolescência: lazer. É nessa hora que muitos têm pela primeira vez a oportunidade de brincar. “A maioria não sabia nem sequer brincar. Muitos vêm de famílias nas quais eram os responsáveis pelos irmãos mais novos. Brincar é fundamental para aprender”, diz o encarregado técnico da unidade, Jean Alessandro.

Em geral, os internos chegam depois de sofrer diversas violações de direitos, com os laços escolares e familiares completamente rompidos. Muitos não têm certidão de nascimento. Na unidade, serão socializados pela primeira vez. “Apostamos tudo no respeito e na valorização das pessoas, dos profissionais e dos meninos que estão aqui. Acreditamos na recuperação deles e nos empenhamos nisso”, afirma o diretor Fernando Lopes. “A melhor parte é quando percebem do que são capazes e passam a dar valor a si próprios. Fazemos questão de mostrar que é um espaço onde eles são ouvidos e respeitados. É uma resposta diferente das que eles tiveram até agora, marcada apenas por violência e privações.”

Ciência x discurso

Em todo o país, 43% dos adolescentes que cometeram atos infracionais acabam retornando às unidades de medidas socioeducativas, a maioria no Nordeste (54%) e no Centro-Oeste (46%). No sistema carcerário adulto, o índice chega aos 70%, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

No estado de São Paulo, a Pastoral Carcerária mostra que apenas 8% dos detentos no sistema carcerário adulto têm acesso a alguma forma de educação; 12% exercem atividade remunerada; o serviço de saúde é frágil, com quadro técnico incompleto, casos de graves doenças e de óbitos decorrentes de negligência; em celas onde cabem 12 pessoas, aglutinam-se mais de 40.

“Certamente, o sistema socioeducativo no Brasil é melhor de que o sistema carcerário dos adultos”, afirma a presidenta da Fundação Casa de São Paulo, Berenice Maria Gianella – que já se posicionou contrária à redução da maioridade penal e a favor do endurecimento de penas para os adultos que cooptem crianças e adolescentes em crimes. Berenice defende ainda a ampliação do tempo de internação para adolescentes que cometem crimes hediondos.

“Apesar dos vários programas sociais do Brasil, ainda não se consegue manter os meninos o tempo todo na escola, oferecer ensino de qualidade, proporcionar cultura e lazer. Quando sai da medida socioeducativa, o jovem volta para o mesmo mundo onde estava antes, vulnerável à criminalidade, apesar de todo o trabalho de conscientização dos jovens e da família”, diz Berenice. A instituição pretende criar, até julho, um programa de acompanhamento de egressos. A ideia é ter um profissional, ligado às prefeituras, que acompanhe os internos depois de retornar a suas casas.

A Fundação Casa conta com 148 unidades, espalhadas na capital e no interior. Nelas, jovens de 12 a 21 anos incompletos cumprem medidas socioeducativas de privação de liberdade e semiliberdade. Apesar de enfrentar uma série de problemas, que vão de superlotação a falta de articulação com outras políticas, houve avanços desde que a instituição passou a oferecer um modelo diferente do sistema carcerário, há quase nove anos: em 2006, na época da Febem, 29% dos jovens reincidiam (hoje são 14%) e as rebeliões caíram de 80 em 2003 para apenas uma em 2009.

“A Fundação recebe esses meninos com déficit em todas as áreas: moradia, alimentação, saúde, educação, qualificação profissional e socialização. Ela não tem como suprir a deficiência de todas as agências anteriores que falharam”, diz Berenice. 

Lavam-se as mãos

O número de adolescentes em conflito com a lei que cumprem medidas socioeducativas no país por atos graves não é tão grande quanto querem fazer supor os defensores da redução da maioridade penal. Ao todo, 108.554 cumpriam algum tipo delas, segundo o Censo do Sistema Único de Assistência Social, Ministério de Desenvolvimento Social, de 2012. O número equivale a apenas 0,18% dos 60 milhões de brasileiros com menos de 18 anos. Deles, somente 13,3% tinham praticado crimes contra a vida. A prática de roubo respondeu por 38,6% dos casos e o tráfico de drogas, por 27%.

“A mesma sociedade que pede a redução da maioridade penal não assume sua responsabilidade com os adolescentes. Não aceita o jovem no seu convívio, para estudar, trabalhar. Querem apenas que ele desapareça”, observa o advogado Ariel de Castro Alves, membro do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (Condeca), de São Paulo. “Em muitos bairros, a população se une para impedir a instalação de unidades de internação ou de centros de medidas socioeducativas.”

Os jovens são os que acabam ficando com as “penas” mais rígidas, já que a progressão no sistema socioeducativo depende da análise da execução de seu plano individual, pela equipe multidisciplinar, e da aceitação dessa avaliação por um juiz. O adolescente em restrição de liberdade, por exemplo, não sabe quanto tempo ficará internado, dentro do limite de três anos. Isso depende de sua adesão e realização das atividades previstas no plano de ressocialização.

Para um adulto a progressão está relacionada com o cumprimento da pena e também com condições prévias. Para alguém que comete homicídio, por exemplo, a pena pode variar de 6 a 30 anos. Mas se for réu primário e com bons antecedentes, pode cumprir somente um sexto da pena.

Para o militante da União de Núcleos de Educação Popular para Negros e Classe Trabalhadora (Uneafro) Douglas Belchior, parte do apoio à PEC 171 vem de um apelo popular construído da ausência do senso de Justiça, auxiliado por setores da imprensa tradicional que estimulam o sentimento de vingança como espetáculo, sem nenhum compromisso em resolver o problema da violência. “Esses argumentos de aumento da violência dos jovens, de impunidade, não se sustentam. Precisamos sair desse lugar-comum de dizer que não existe punição e que a lei não funciona”, afirma.

Os argumentos dos defensores da redução da maioridade penal colocam adolescentes na condição de agentes da violência e da criminalidade, como deixam claro as sessões da Comissão Especial que analisa a PEC 171 na Câmara. Mas até o presidente da comissão, André Moura (PSC-SE), que insiste que a medida vai contribuir para melhorar a situação, admite que “a redução da maioridade não é a solução”.

Douglas Belchior defende que o Estado deve primeiro ser capaz de efetivar integralmente as políticas públicas para crianças e adolescentes antes de propor maior rigidez nas punições. “Defendemos o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase). O ECA é internacionalmente reconhecido como uma das melhores legislações do planeta. O problema é que o Estado brasileiro e os governos estaduais nunca se empenharam em transformar o texto em realidade.”

Além disso, os jovens não são os grandes algozes, como fazem parecer os discursos inflamados pela redução da idade penal. “É exatamente o contrário. Existe um enorme aumento da violência contra o jovem. Sobretudo os pobres, negros, das periferias urbanas”, argumenta o pesquisador da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), Julio Jacobo Waiselfisz, autor do Mapa da Violência. Das 56 mil pessoas assassinadas no Brasil em 2012, pelo menos 30 mil eram jovens entre 15 a 29 anos – desse total, 77% eram negros.

Waiselfisz ressalta que a aprovação de leis sob forte clamor popular é ineficaz. A promulgação da Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/1990) tinha esse apelo. No entanto, a população carcerária no Brasil só aumentou com a medida, passando de 148 mil em 1995 para cerca de 715 mil detentos no ano passado.

Se a PEC 171 for aprovada, as expectativas de oportunidades – remédio fundamental para a redução da criminalidade – vão ficar ainda mais frágeis, como avalia o advogado e membro do Condeca, Ariel de Castro Alves. “Como é uma emenda à Constituição, abre um precedente perigoso. As leis que determinam o que é ou não legal para crianças, adolescentes e adultos se referenciam na idade penal”, explica.

Em outras palavras, a redução afetaria irremediavelmente também a proteção de adolescentes em relação à exploração sexual, condições degradantes de trabalho, consumo de bebidas alcoólicas e até sua permanência em instituições de abrigo. Sendo criminalmente imputável, se tornaria inócuo dizer que uma adolescente de 16 anos foi aliciada sexualmente. Ou que não possa comprar bebidas alcoólicas. A Lei 12.015, de 2009, que endureceu a punição por corrupção de menores também pode perder força. “Existe o entendimento de que o menor de 18 anos é vulnerável e por isso precisa da proteção do poder público, da família e da sociedade. Com a redução da maioridade, esse entendimento fica prejudicado”, alerta o advogado.

DEMAGOGIA E DESINFORMAÇÃO



Argumentos de parlamentares em defesa da redução da maioridade penal não têm sustentação nos fatos

“Reduzir a maioridade penal faz justiça e diminui a criminalidade”

O Brasil investiga pouco e resolve pouco. Segundo levantamento do Conselho Nacional do Ministério Público, de 2012, cerca de 80% dos inquéritos de homicídio são arquivados, sem solução. A falta de investimentos em inteligência e ações de prevenção contribuem com a impunidade.

“O problema da violência está na vagabundagem. Um garoto com menos de 16 anos é proibido de ter carteira assinada e emprego fixo. Se tivesse, muitos dos que estão no mundo da criminalidade não estariam”

A legislação proíbe qualquer tipo de trabalho para menores de 14 anos. O trabalho a partir dessa idade é permitido na condição de aprendiz, em atividade relacionada à qualificação profissional. Acima dos 16 anos o trabalho é autorizado, exceto no período noturno e em condição insalubre, desde que não atrapalhe os estudos.

“O ECA protege os menores em conflito com a lei. Ninguém pode dizer que um jovem de 16 ou 17 anos mata, assalta ou comete estupro sem saber o que está fazendo. Ele sabe que a legislação o deixa impune”

O Estatuto da Criança e do Adolescente não contempla apenas direitos e prevê punição ao menor de 18 anos que cometer ato infracional: advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade; internação. Todas podem ser aplicadas a partir dos 12 anos.

“Países desenvolvidos, como Alemanha, Estados Unidos e França, têm políticas melhores do que o Brasil, por adotarem responsabilidade penal com 12, 14 ou 16 anos”

No Brasil, a responsabilidade penal se dá a partir dos 12 anos, sendo um dos países que responsabiliza mais cedo, com um dos sistemas mais rígidos entre 53 países. Na França, um sistema semelhante é aplicado aos adolescentes entre 13 e 18 anos. Até os 16 anos, se for demonstrado que o adolescente tem discernimento, pode ter diminuição da pena. Na faixa de idade seguinte (16 a 18), fica a critério do juiz. A maioridade só se dá aos 18 anos. 

Na Alemanha, o Sistema de Justiça Juvenil começa aos 14 anos. Mesmo após os 18 anos, uma avaliação de discernimento pode determinar a aplicação das regras do sistema. Somente após os 21 anos a competência é exclusiva da Justiça comum.

Nos Estados Unidos, a responsabilidade se inicia aos 10 anos e a partir dos 12 já é possível condenar à pena de morte, em alguns estados. No entanto, o país começa a rever o aumento dessa idade.

“É inconcebível que não aconteça nada com jovem que comete estupro ou que ele passe por medida socioeducativa”

O crime de estupro é considerado grave e punido com restrição de liberdade de até três anos. Após o cumprimento da pena em instituição fechada, o adolescente ainda poderá cumprir medidas de semiliberdade e de liberdade assistida, por tempo definido pelo juiz, até o limite de três anos cada. De forma cumulativa, o adolescente pode ficar até nove anos cumprindo medidas.

“Segundo estudos, teremos 37 mil adolescentes assassinados até 2016 e a maioria está envolvida com o crime. Envolvidos porque eles estão à sombra da impunidade”

Um estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) realmente indica que, seguindo o ritmo atual, 37 mil jovens podem perder a vida vítimas da violência no país. No entanto, a pesquisa não aponta se esses jovens têm envolvimento com o crime.

Contratos de demanda firme revelam vantagens que Sabesp dá a empresas

Três montadoras de veículos, duas das maiores redes de supermercados do país e um dos bancos que mais lucraram em 2014 estão entre os dez maiores consumidores privilegiados com baixas tarifas de água pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). Mercedes-Benz, Ford, Volkswagen, Pão de Açúcar, Carrefour e Itaú Unibanco assinaram contratos de demanda firme com a empresa, um expediente que dá direito a um vantajoso desconto. Diferentemente do que ocorre com consumidores residenciais, quanto maior o uso, menor é o valor que as empresas pagam pelo metro cúbico (1.000 litros).

Também integram esse seleto grupo a Telefônica, dona da marca Vivo e líder entre as operadoras de telefonia celular no país; a indústria Viscofan, que produz invólucros para embutidos; a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp); e a Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô). O valor estimado desses dez contratos é de R$ 133 milhões. Juntas, essas empresas pagam baixas tarifas que dão direito ao uso de 412 milhões de litros por mês.

A Pública e a Artigo 19 divulgam, na íntegra, 537 contratos de demanda firme assinados pela Sabesp.

Há seis meses a Sabesp nega o acesso público a esses documentos. A companhia não cumpriu uma determinação da Corregedoria-Geral da Administração (CGA), feita em janeiro, após um pedido da Pública, para que os documentos fossem tornados públicos, conforme a Lei de Acesso à Informação. “A liberação dos contratos conhecidos como demanda firme (…) permitirá à sociedade o acesso ao modus operandi da Sabesp no que diz respeito à prestação de serviços públicos de saneamento básico”, diz a decisão da CGA. A empresa deu-se ao trabalho de escanear e publicar no seu site os contratos de demanda firme, mas censurou todas as informações de interesse público.

Os contratos foram obtidos pela organização Artigo 19, que entrou como parte em um procedimento administrativo do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema) do Ministério Público Estadual sobre a crise hídrica. “É importante ressaltar que a Lei de Acesso à Informação não foi respeitada pela Sabesp. Estamos divulgando os documentos porque entendemos que garantir o acesso à informação pública é fundamental para garantir o direto humano à água”, diz Mariana Tamari, coordenadora do projeto de acesso à informação e direito à água da Artigo 19.

A Pública cruzou os dados dos contratos com as informações parciais que já havia obtido anteriormente por meio de pedidos da Lei de Acesso à Informação, tomando o cuidado de excluir todos os dados conflitantes. O resultado por ser visto na nossa base de dados interativa. Nela, os cidadãos poderão averiguar quais são as condições dos contratos, os descontos na conta e verificar se o prédio onde trabalham, igreja ou time de futebol estão usando muita água.

Os nomes de algumas dessas empresas foram revelados pelo El País, que publicou uma lista dos contratos assinados a partir de 2010, enviados pela Sabesp para uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara Municipal. A relação, no entanto, continha apenas 294 clientes. Só três dos dez maiores consumidores (Viscofan, Mercedes-Benz e Ford) firmaram contratos depois de 2010. Os outros 243 nomes que faltavam, assim como os 294 anteriores, agora estão acompanhados de dados como o valor das tarifas de água e esgoto acertadas na época, a demanda firme, a data da assinatura do documento e a vigência, renovada automaticamente.

Detentora do contrato que permite consumir o maior volume de água com desconto, a Telefônica tem reservados 55,8 milhões de litros mensais. É um dos acertos mais antigos, assinado em 2003.

O valor obtido para cada mil litros de água foi de R$ 3,90, quando outros clientes da região metropolitana de São Paulo pagavam R$ 4,16 na época. Isso representa uma diferença de 6,25%. Como a empresa tem escritórios em diferentes partes do Estado de São Paulo, o cálculo foi feito a partir de uma média que considera as tarifas cobradas em diferentes regiões. O contrato, de cinco anos, tem valor estimado de R$ 13 milhões. Neste e em outros documentos, a tarifa deve ter sido reajustada, mas essa informação não está disponível.

No ano passado, o Itaú Unibanco teve um lucro líquido de R$ 20,2 bilhões. E economizou na conta de água. Com um contrato que prevê cerca de 31 milhões de litros mensais de demanda firme, a instituição financeira conseguiu uma tarifa de R$ 4,43 por 1.000 litros em maio de 2004. A água abastece várias das agências do banco na capital paulista e em cidades da Grande São Paulo e do interior do Estado. O desconto em relação ao que era cobrado na região metropolitana, no período, era de R$ 0,08 por 1.000 litros.

Linha de montagem

Também recordistas em consumo, as montadoras Mercedes-Benz, Ford e Volkswagen têm reservados 110 milhões de litros pela Sabesp. A Mercedes-Benz tem o maior contrato, com custo estimado em R$ 28,4 milhões para 50 milhões de litros mensais e uma tarifa inicial de R$ 6,87. Ford e Volkswagen comprometeram-se a gastar 30 milhões de litros cada. No caso da Ford, o documento é mais recente, de 2010, e prevê uma tarifa de R$ 5,32 por 1.000 litros de água. Há mais um contrato da Ford, de 2007, com tarifa de R$ 3,72 para uma demanda contratada de 15 milhões de litros.

A Volkswagen do Brasil assinou em 2002 um contrato estimado em R$ 1,5 milhão para o fornecimento de água em uma de suas fábricas, localizada em Taubaté. Mas há uma diferença em relação a outros documentos. A vigência do acordo é de um ano e, nesse período, tanto a demanda firme como a tarifa variavam. O valor inicial acertado foi de R$ 2,02 por 1.000 litrosde água potável. Depois do nono mês, a tarifa passava a ser de R$ 2,19. Do primeiro ao sexto mês, a demanda foi de 90 milhões de litros. No sétimo mês, caiu para 61 milhões de litros. No oitavo, para 42 milhões de litros. E, a partir do nono mês, estacionou em 30 milhões de litros.

Em 2010, a Volkswagen firmou um outro contrato, de R$ 14,6 milhões, durante cinco anos, para uma das suas unidades, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. Nesse caso, havia um desconto de R$ 4,09 frente à tarifa cobrada pela Sabesp de clientes comerciais e industriais que não tinham um contrato de demanda firme na mesma localidade. Assim, a montadora pagou R$ 3,98 para 1.000 litros por um consumo mínimo mensal de 40 milhões de litros.

Outros dos grandes clientes da companhia são as redes de supermercados Pão de Açúcar e Carrefour. Nesse caso, os volumes de demanda firme não são muito diferentes: 47 milhões de litros para o Pão de Açúcar e 40 milhões de litros para o Carrefour. Embora tenham sido assinados com apenas 4 anos de intervalo, as tarifas são bastante diferentes. Em 2002, o Pão de Açúcar pagava R$ 3,25 por 1.000 litros. Já o Carrefour conseguiu uma tarifa de R$ 5,12 em 2006 pela mesma quantidade de água. Vale lembrar que os dois valores podem ter sido reajustados posteriormente.

Outro supercontrato é o da Ceagesp, assinado em 31 de outubro de 2001 com valor estimado de R$ 24,2 milhões. O consumo mensal mínimo inicial é de 44 milhões de litros de água por mês, a R$ 4,03 por 1.000 litros de água e R$ 5,17 por 1.000 litros de esgoto. Na época, a tarifa para clientes com consumo acima de 40 milhões de litros por mês era de R$ 4,16 para água e esgoto. O documento assinala que o contrato tem exceções: “não está em déb. automático, não lacrou poços”. Também tem uma cláusula que determina que o volume mínimo seja revisto mensalmente.

No ano seguinte, a Ceagesp solicitou a redução dos valores cobrados por 1.000 litros do fornecimento de água e tratamento de esgoto. Em resposta, a Sabesp informou sobre a possibilidade de efetivação de um contrato especial, com redução do consumo mensal para 43 milhões de litros por mês e cobrança de R$ 3,50 por 1.000 litros de água utilizados e também de R$ 3,50 por 1.000 litros de esgoto.

Para a concretização do contrato especial, a Ceagesp deveria ser abastecida exclusivamente pela rede pública – deixando de usar seus poços artesianos – e passar a pagar a conta por meio de débito automático.  O comunicado interno da Sabesp revela que a Ceagesp se comprometeu a não usar fontes alternativas de água mas que, por ser um órgão de economia mista com capital majoritário pertencente ao governo federal, não poderia fazer o pagamento via débito automático.

Contratos de 2014

A preocupação com a crise hídrica, que já se anunciava desde o final de 2013, não foi suficiente para que a Sabesp deixasse de assinar novos contratos. A partir de março de 2014, a companhia suspendeu duas condicionantes importantes desse tipo de documento: a exigência de um consumo mínimo de água por mês (as empresas eram obrigadas a pagar por esse mínimo, usassem ou não a água) e de “fidelização” ao sistema Sabesp, abandonando o investimento em reuso ou em fontes alternativas de água. Mas continuou a fazer novos contratos – foram 36 ao longo do ano, sem as contrapartidas –, mantendo o preço amigável.

Desses, nove contratos têm vigência de 5 anos, ou seja, garantem o fornecimento de água a preço vantajoso até 2019. Entre eles há um contrato com a SPTrans de 11 de agosto de 2014, que garante o fornecimento de 20 milhões de litros por mês a uma tarifa de R$ 8,48 por 1.000 litros. O contrato inclui uso de água do Sistema Cantareira, além do Guarapiranga, Alto Tietê e Rio Claro. A Avon Cosméticos também conseguiu um contrato de cinco anos, no dia 24 de fevereiro daquele ano, também para 20 milhões de litros por mês. A tarifa é de R$ 7,66 para a água utilizada. E o desconto é ainda maior para o esgoto: a empresa de cosméticos paga R$ 4,24 por 1.000 litros coletados.

Outras empresas de grande porte conseguiram contratos proveitosos em meio à crise da água. O Banco Bradesco, que no ano passado teve um lucro líquido de R$ 15 bilhões, 25% maior do que o ano anterior, assinou um contrato em 24 de janeiro para garantir o uso de 20,4 milhões de litros de água por mês em 15 ligações. A tarifa do contrato, de R$ 8,48, é quase R$ 5 mais barata por litro do que seria em um contrato comercial normal (R$ 13,12 por metro cúbico) – um desconto de cerca de 35%. Parte da água desse contrato vem do Sistema Cantareira e parte do Guarapiranga.

A fábrica da Vigor também teve contrato assinado no ano passado, em 27 de outubro. Contratou o fornecimento de 14 milhões de litros de água por mês, a uma tarifa de R$ 9,08 para água e R$ 4,51 para esgoto. O valor do contrato é de R$ 2,2 milhões. O contrato vale por um ano, renovável automaticamente, e o abastecimento é exclusivo do sistema Cantareira.

No final de outubro, dias depois de a presidente da Sabesp ter reconhecido a severidade da crise no abastecimento de água em depoimento a uma CPI da Câmara Municipal de São Paulo, foi assinado um contrato para o fornecimento de 3,8 milhões de litros de água por mês, com vigência de 5 anos com o Condomínio Centenário Plaza, o famoso “Robocop”, na Marginal Pinheiros, a uma tarifa de R$ 9,69. O valor do contrato é de R$ 4,4 milhões. Em novembro, foram assinados ainda dois contratos, com a MC Construction Chemicals Brasil Industria e a Gelita do Brasil.

Clubes e bancos

Clubes conhecidos, como o Esporte Clube Pinheiros, também estão na lista. Este tem contrato celebrado em dezembro de 2008 para o consumo de 5,5 milhões de litros de água por mês, a uma tarifa de R$ 7,51. No mesmo ano, o São Paulo assinou um contrato com 4 milhões de litros de demanda pela mesma tarifa. Os clubes Palmeiras e Santos assinaram contratos semelhantes em 2012. O contrato do Palmeiras prevê a destinação de 5,8 milhões de litros de água por mês a um valor de R$ 9,17 por 1.000 litros. O Santos paga a tarifa de R$ 7,36 a cada 1.000 litros por 1 milhão de metros cúbicos de água por mês.

Chama a atenção o grande número de condomínios e prédios comerciais premiados com os descontos: são nada menos que 153 contratos com esse tipo de empreendimento. Já entre as igrejas, a Universal do Reino de Deus é a que tem o maior contrato: o prédio da Avenida João Dias, na zona sul de São Paulo, tem consumo mínimo de 3 milhões de litros por mês a R$ 7,84 por 1.000 litros de água e tratamento de esgoto pelo mesmo preço. Outros templos abastecidos com contratos de demanda firme são o Templo da Glória de Deus, sede da Igreja Pentecostal Deus é Amor, e o Centro de Treinamento Missionário de São Paulo, da Igreja de Jesus Cristo dos Santos Últimos Dias. Ambos os prédios pagam uma tarifa de R$ 9,30 por 1.000 litros de água e tratamento de esgoto.

Além do Itaú e do Bradesco, outros quatro bancos celebram contratos de demanda firme: Citibank, Safra, HSBC e Santander. O Santander possui um contrato de demanda firme de 20,3 milhões de litros por mês e paga R$ 4,55 por 1.000 litros, uma das tarifas mais baixas entre os contratos. No caso do Santander, o preço da tarifa vale para todos os imóveis sob a responsabilidade do banco. Já o contrato do Banco Safra, de 1,5 milhão de litros por mês a R$ 8,37 cada 1.000 litros, corresponde somente ao prédio localizado na esquina da Rua Augusta com a Avenida Paulista, em São Paulo. Os contratos do Citibank e do HSBC também correspondem a um único endereço. As tarifas diminuem quanto maior o consumo: com 3 milhões de litros contratados por mês, o Citibank paga uma tarifa de R$ 7,51 por 1.000 litros, enquanto a tarifa do HSBC é de R$ 8,71 por 1.000 litros, para uma demanda mensal de 1,1 milhão de litros.

No caso da Mecano Pack Embalagens, uma fábrica de Taboão da Serra, alguns detalhes das negociações estão no próprio contato. Sabemos, por exemplo, que a empresa procurou a Sabesp em busca do desconto, o que acabou ocorrendo em contrato em agosto de 2011. O contrato proposto pela Sabesp significava uma redução na tarifa de água de 18%. Para isso, a empresa teria que aumentar seu consumo, passando de 400 mil litros para 500 mil litros por mês. Além disso, nos adendos do contrato, a Sabesp deixa claro que quer evitar o uso de fontes alternativas de água: “A negociação tornou-se frutífera, pois com média de 400 m3, o cliente está ampliando a empresa e o consumo estará dentro do contratado e inclusive considerando a ampliação da empresas, que a fidelização é estratégica visto que, com o aumento do consumo, o cliente poderia migrar para fontes alternativas”, escreve o representante comercial da Sabesp.

Outra negociação interessante foi feita com a Colgate Palmolive Industrial, para fornecimento de água para a sua fábrica no Jaguaré, zona oeste de São Paulo, para um contrato de 10 milhões de litros, assinado em junho de 2011 por mês. A negociação da tarifa – de R$ 7,66 – significou em uma redução de 31% na conta de água. Um desconto mensal de R$ 86 mil, segundo a própria Sabesp.

A cláusula 14 do contrato diz que a “Colgate se compromete, após a assinatura do contrato de demanda firme, a exclusão definitiva do abastecimento por meio de fonte alternativa (carro pipa) a partir de 1/7/2011”. E, para completar, o representante comercial anota ainda que “o cliente firmará contrato de 10 mil m3, porém se compromete-se a utilizar 15 mil m3”, mostrando claramente que o principal interesse dos contratos era vender mais água, e não o uso racional desse bem público.

No caso da WLC Administradora de Imóveis, há outro relato interessante anexo ao contrato. Ele revela que a negociação foi proativa, ou seja, partiu da Sabesp “através de acompanhamento realizado na emissão das faturas, após a leitura e apuração do consumo. Com a fatura em mãos, o Representante Comercial realizou a entrega da mesma e iniciou negociação”. A negociação se deu em junho de 2012 e rendeu um desconto de 24% para a empresa, com a tarifa de R$ 9,30. O representante da Sabesp botou no papel: isso significa que o valor pago pela empresa à Sabesp caiu de R$ 36.367 para R$ 26.040 por mês – um desconto de mais de R$ 10 mil por mês.

O que são os contratos de demanda firme

Os contratos de demanda firme estão no centro da discussão sobre as políticas adotadas pela Sabesp nos últimos anos. Eles começaram a ser usados em 2002 pela Sabesp como forma de “fidelizar” clientes do comércio ou indústria que têm grande consumo de água. Em 2010, passaram a valer para clientes que consomem acima de 500 m³/mês (500 mil litros/mês).

O programa prevê um consumo mínimo de água. Se a empresa consumir menos, pagará o valor completo de todo jeito. Se ultrapassar a quantidade acordada, paga a diferença. Ou seja, a empresa é penalizada se economizar, e instada a usar mais água, já que pagará de qualquer forma. Outro problema nesse tipo de contrato é que a Sabesp exige exclusividade de fornecimento, abandonando fontes alternativas de água como poços artesianos e caminhões pipa. A Sabesp finalmente reviu essa obrigação de consumo mínimo em março do ano passado, depois do agravamento da crise hídrica. Mas os descontos previstos pelos contratos de demanda firme continuam a vigorar.

Uma característica desse programa de “fidelização” é que ele segue a lógica da venda a atacado: quanto maior o consumo médio de água da empresa, a tarifa é mais baixa, ao contrário do que a Sabesp exige dos usuários residenciais, que quanto mais usam, mais pagam. Os descontos na conta são generosos, chegando a 40% do valor, segundo os contratos obtidos pela Pública e pela Artigo 19.

A manutenção dos contratos tem sido questionada por movimentos sociais. Com a repercussão negativa, a Sabesp deixou de assinar novos contratos em 2015. Mas os antigos seguem sendo automaticamente renovados. Ao mesmo tempo, a Sabesp insistiu em manter os contratos longe do escrutínio público – e do debate sobre os rumos da crise – até agora.

“A omissão da Sabesp neste caso é mais um exemplo do descumprimento do direito à informação como um todo na crise hídrica. A batalha pela transparência ainda não terminou. Precisamos exigir que a Sabesp e todos os órgãos públicos responsáveis pela gestão da água no Estado deem ampla divulgação a documentos públicos”, afirma Karina Quintanilha, advogada da Artigo 19.