Temer vende otimismo, mas realidade o desmente, diz professor da UFABC

O presidente Michel Temer disse hoje (31), em São Paulo, na abertura da Conferência de Investimentos da América Latina 2017, que a economia brasileira está bem e o país saindo da crise. “O que fizemos foi recolocar o Brasil no rumo certo, compatível com a nação moderna que somos. O abatimento em que havíamos caído era de ordem psicológica”, garantiu a investidores. Curiosamente, porém, no mesmo dia, as contas do governo – incluindo Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central, fecharam 2016 com déficit primário de R$ 154,255 bilhões. É o pior resultado em toda a série histórica, iniciada em 1997.

Outro dado negativo, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, divulgada hoje pelo IBGE, é que a taxa média de desemprego chegou a 11,5% em 2016, três pontos percentuais acima do ano anterior.

Mas o déficit real, na verdade, é R$ 550 bilhões, já que na conta divulgada pelo governo não estão incluídos os R$ 400 bilhões de pagamento de juros, o que representa 6% do Produto Interno Bruto (PIB) apenas para esse fim, lembra o professor Giorgio Romano Schutte, da Universidade Federal do ABC. “Não há país que aguenta esse patamar”, diz. Nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva a porcentagem era de 5%. Com Dilma Rousseff, caiu para 4,5% quando ela baixou os juros em 2012.

“No mesmo dia em que se anuncia recorde de desemprego e de déficit, o Temer anuncia que o país está saindo da crise. Mas não há perspectiva de que isso seja um movimento real e sustentável”, avalia Schutte.

O cenário não é nada promissor, apesar da tentativa do Planalto de propagar otimismo. “Daqui para a frente, há muita incerteza. Estão numa ofensiva muito grande de vender otimismo, na Globo, nos jornais. Só que esse otimismo não se traduz em investimentos.”

Schutte destaca que a capacidade ociosa está muito alta e a taxa de investimento, um dos principais indicativos da economia, “baixíssima”, em torno de 16,5%. “Deveria estar no mínimo em 23%, 24%. Se não tem investimento e não tem poder de compra, se há aumento de desemprego, restrição do crédito, não há demanda necessária interna para projetar perspectivas positivas.”

Pressão

Para complicar, a vitória e o início do governo de Donald Trump nos Estados Unidos complicam ainda mais as perspectivas do governo Temer. “A ideia do governo era ter uma ajuda do setor externo, como um acordo de comércio com Hillary Clinton, que o José Serra (ministro das Relações Exteriores) estava sonhando, uma Alca 2. E isso  foi por água abaixo. Não há a menor possibilidade de pensar nisso agora”, diz Schutte.

O professor lembra que, além disso, a política de Trump prevê investimentos e redução dos impostos das empresas, o que deve provocar aumento do déficit público americano. Com isso, a tendência é de aumentar os juros. “Aumentando os juros nos Estados Unidos, vai pressionar também no Brasil.”

E as perspectivas otimistas vendidas pelos defensores do impeachment, segundo os quais o país retomaria o caminho do crescimento com o novo governo, como num passe de mágica, não se mostraram reais. Em outras palavras, não há investimentos. “O que há são muitas incertezas. Não se sabe quanto tempo vai durar o governo, que não foi eleito. E tem eleições no ano que vem. Fora a insegurança política, no âmbito econômico você só vai investir com perspectiva de lucro, e não porque você gosta do presidente. Há aumento de desemprego, falta de crédito e de demanda necessária interna para projetar perspectiva, e também falta investimento público. A única coisa que está andando é um novo ciclo de privatizações”, diz Schutte.

Nem mesmo a redução da taxa Selic (hoje em 13% ao ano) nas últimas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central é um dado revelador de movimento positivo. “O que interessa para investidores são os juros reais. Como a inflação está em queda, o governo pode baixar os juros nominais sem diminuir os juros reais, como BC está fazendo. O BC sabe, embora não fale, que há risco de ter de voltar atrás se os juros nos Estados Unidos aumentarem. Com isso, o capital sai do Brasil e vai para os Estados Unidos. Para segurar isso, o BC terá que aumentar os juros aqui”, avalia o professor da UFABC.

Os juros reais (nominais menos inflação) estão hoje entre 5% e 6% no Brasil.