Questão recorrente na cobertura jornalística de eventos, a quantidade de pessoas diante do Instituto Lula, durante toda a tarde de hoje (16), foi uma pergunta várias vezes repetida aos organizadores, que durante a manifestação chegaram a falar em 5 mil presentes. Mas o fator numérico, ali ou na Avenida Paulista, era uma questão menor, nas palavras da cartunista Laerte Coutinho, que viu no ato no Ipiranga uma reação da sociedade. “O que está acontecendo é a recuperação do espaço de debate, da nobreza da política”, comentou, em uma das várias mesas organizadas no local, que sediou a terceira edição da Jornada pela Democracia. O ato terminou exatamente às 18h, com uma versão moda de viola do Hino Nacional.
Durante aproximadamente cinco horas, a discussão foi da postura tida como “golpista” de parte da oposição até à necessidade de mudanças nas diretrizes econômicas do governo Dilma, que também precisaria retomar e fortalecer suas pontes com os movimentos sociais. Estes defendem a manutenção do mandato da presidenta, mas cobram uma política que preserve e amplie direitos sociais, na contramão do atual ajuste.
“Nós temos de estar vigilantes. A tentativa de golpe não está desarmada”, diz o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), agora vice-líder do governo na Câmara. Ao mesmo tempo, acrescenta, “o nosso governo tem de ir ao encontro do povo”, sem aceitar agendas que retirem direitos trabalhistas. “Nosso governo tem de estar muito atento para reorganizar a sua base”, afirma Teixeira, que também chamou o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e o senador Aécio Neves (PSDB-MG) de “coordenadores do golpismo”.
À esquerda
Para o líder do movimento de moradia Luiz Gonzaga da Silva, o Gegê, da Central de Movimentos Populares (CMP), a eleição de Cunha, no início do ano, deixou o governo “meio fora de compasso” e na retaguarda. Ele avalia que a presidenta deve ter clareza de que só há uma forma de garantir avanços, “justamente com suas bases sociais”. Houve recuo, de fato, em relação a promessas da campanha eleitoral, mas as manifestações de rua poderão garantir acenos “mais à esquerda” por parte do governo. Assim, os movimentos podem ir à rua por democracia e pela Petrobras, mas também em defesa dos direitos dos trabalhadores.
“Nós não vamos sair da rua, que é nosso espaço de luta. Não é só “fica, Dilma”, não é só essa democracia burguesa, uma faca de dois gumes, mas uma democracia proletária, participativa. A hora de ir para a rua é agora. A democracia é branca e tem lado, está ao lado de quem paga”, criticou Gegê, que acredita em crescimento das ações conservadores. “A burguesia não aguenta mais uma nova eleição da esquerda.”
Reformas estruturais ficaram por ser feitas, avalia o coordenador estadual da CMP, Raimundo Bonfim. “Essa é uma crítica que os movimentos sociais fazem aos governos Lula e Dilma.” Mas os movimentos também se posicionam contra as tentativas de derrubar o atual governo. E querem que Dilma implemente o programa que apoiaram na campanha eleitoral. Ele também faz restrições à “agenda Brasil” proposta pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), vendo aproximação com a pauta tucana.
“A gente quer fazer o debate de qual projeto político queremos”, afirma Raimundo. Ele lembrou que na próxima quinta-feira (20) haverá novas manifestações pelo país em defesa da democracia, mas também contra o ajuste fiscal e por reformas.
“Não vamos abrir mão de avanços nas reformas estruturais que ainda não foram feitas neste país”, diz o secretário municipal de Desenvolvimento, Trabalhista e Empreendedorismo da prefeitura de São Paulo, Artur Henrique, ex-presidente da CUT. O também secretário municipal Eduardo Suplicy (Direitos Humanos e Cidadania) considerou o ato de hoje uma expressão de “apreço às instituições democráticas”, mas também defendeu o direito à liberdade de manifestação, em referência a eventos contra o governo, “desde que o façam de maneira pacífica”.
Suplicy elogiou a presidenta Dilma e seu “amor à retidão e à transparência”, acrescentando ter certeza de que ela e sua equipe vão acertar e atingir metas de erradicação da pobreza, além de criar um ambiente propício “à melhoria de vida da população brasileira”.
O evento foi organizado diante do Instituto Lula, no Ipiranga, na zona sul da capital paulista, também como desagravo ao atentado ocorrido em 30 de julho, quando uma bomba de fabricação caseira foi arremessada em direção ao local, no que a entidade considerou um atentado político. O mesmo local recebeu um “abraço” simbólico no dia 7, com a presença do ex-presidente, que desta vez não participou. “A vinda do Lula transformaria isso em comício”, disse o diretor do instituto Celso Marcondes. A preocupação era garantir um espaço para debates.
Durante a tarde, várias mesas de discussão foram formadas em um palco montado diante do instituto, na esquina da avenida Nazareth com a rua Pouso Alegre, bem em frente ao Parque do Ipiranga. Professores, intelectuais, sindicalistas, ativistas se revezavam nas mesas. A frase “Não vai ter golpe” foi a mais repetida. Sem incidentes, o ato incluiu samba e churrasco.
Representantes de movimentos sociais comentaram também o encontro com Dilma na última quinta-feira (13), esperando que esse seja o início de uma nova etapa de diálogo e de correção de rota na política econômica. No início de setembro, será instalado um fórum do trabalho e da Previdência, com participação de trabalhadores e empresários. “Esperamos que o fórum funcione e que tenhamos avanço na pauta trabalhista”, comentou o presidente da CUT, Vagner Freitas. No campo político, ele reafirmou que a oposição precisa reconhecer o resultado das urnas e se preparar para a eleição de 2018. “O ‘terceiro turno’ paralisou o Brasil.”