Sem metas, celular e internet seguem fora de estratégia de comunicação
Os casos de bairros e de cidades sem conexão à internet ou à telefonia celular expõem a falta de uma política estratégica de comunicação voltada ao desenvolvimento do Brasil. Analistas ouvidos pela Rede Brasil Atual indicam que, sem imposição de metas, o setor privado fica desobrigado de expandir sua atuação para locais que considere pouco lucrativos.
Duas reportagens mostraram esta semana o cotidiano de comunidades afetadas por um serviço precário de comunicação. Lagoa da Onça, um assentamento na cidade de Formoso do Araguaia, em Tocantins, ficará sem telefonia celular a partir de setembro por conta da mudança do padrão de tecnologia da Vivo. A operadora informou que o local não está em sua área de cobertura e, portanto, não tem obrigação de resolver o problema, o que é contestado pelo Ministério Público Estadual. “Vejo o serviço de telefonia como um serviço essencial. Imagine uma comunidade inteira sem comunicação. Isso é muito grave e não poderia ocorrer”, lamenta o promotor Airton Amilcar Machado Momo.
Na zona sul da maior cidade da América Latina, São Paulo, o bairro de Vargem Grande não tem conexão oficial de internet. A Telefônica não modernizou sua infraestrutura local, o que faz com que nem mesmo serviço de telefonia fixa seja prestado de maneira satisfatória. Com isso, quem quer internet precisa apelar a um dos provedores locais, que operam sem autorização da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
“Por isso a gente entende que o regime público, que tem controle de tarifa, meta de universalização, um fundo público, é o correto”, afirma Veridiana Alimonti, advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). “No regime privado, sem uma exigência, a empresa não vai fazer, os preços são livres, ela tem autorização para ir apenas onde interessa a ela, e as obrigações são mais frouxas do que no regime público.”
O Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) colocou em forte debate a partir do ano passado o papel da internet no desenvolvimento do país. Inicialmente, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva reativou a Telebrás, a estatal do setor, e tinha a intenção de utilizá-la para concorrer com as operadoras. Sob pressão das teles, o Palácio do Planalto passou a trabalhar com a possibilidade de que a empresa ingressasse na conexão final apenas nos locais em que não houvesse interesse do setor privado.
Já na gestão de Dilma Rousseff, e ainda sob pressão, o Ministério das Comunicações de Paulo Bernardo trocou o comando da Telebrás e seu papel dentro do PNBL. Foi fechado em junho um acordo com algumas operadoras para que passem a oferecer internet de 1 mega bite por segundo a R$ 35, o que já ocorre em algumas grandes capitais. A expectativa é assegurar até 2014 o atendimento de 70% dos domicílios brasileiros. “A Telebrás teria de entrar no atacado com preços baixos vendendo para os provedores locais e forçando as empresas maiores a baixar o preço. Ela entraria em locais que precisariam de uma maior competição, sendo eles interessantes para as empresas ou não”, ressalta Veridiana.
Não há, no PNBL, garantia de quais domicílios serão atendidos, e muito vai depender da vontade do setor privado. Vargem Grande, a 42 quilômetros do centro de São Paulo, pode seguir fora do mapa das teles. O pior é que a conexão móvel também não está no rol de possibilidade dos moradores deste bairro, já que hoje não se tem acesso a celular no local.
Tanto este módulo de telefonia quanto a internet seguem fora dos esforços do Estado em prol do atendimento integral da população. O Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU), cuja terceira versão foi revisada este ano, diz respeito apenas à telefonia fixa. “Estamos em uma questão crítica em relação às revisões dos planos de meta.
Uma delas é a mudança no paradigma tecnológico”, anota Marcus Manhães, pesquisador em radiodifusão e telecomunicações. Para ele, a telefonia fixa será, dentro de pouco tempo, apenas mais um item dentro de um pacote básico de telecomunicações. E, sem obrigações, corre-se o risco de excluir parte da população brasileira do acesso a uma série de itens fundamentais. “Esse novo paradigma cria uma ruptura com a estrutura que a gente tem atualmente de regulação. Somente uma revisão do marco regulatório vai abrir perspectivas para a gente fazer uma negociação melhorada em prol da sociedade.”