“Queremos um Brasil de classe média”, afirma Dilma
A 36ª presidente do Brasil inclina-se para frente e lança um olhar atento ao redor da mesa, certificando-se de que ninguém ignore a ideia simples, mas ousada, do que ela quer para o país. Após quase dez anos de governo do Partido dos Trabalhadores (PT), a maior economia da América Latina reduziu as taxas de pobreza e avançou bastante no caminho para a redução da desigualdade – uma tendência que contraria a ampliação do fosso em outros países.
“Isso é um avanço muito importante para o Brasil, ou seja, a transformação do país numa população de classe média”, diz a presidente Dilma Rousseff em seu gabinete no Palácio do Planalto, em Brasília, a maravilha modernista de mármore projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer. “Queremos isso, queremos um Brasil de classe média”.
Notável progresso vem sendo conseguido para melhorar a vida de milhões de pessoas, numa sociedade que continua uma das mais desiguais no mundo. Seu milagre econômico ajudou a tirar entre 30 milhões e 40 milhões de pessoas da pobreza, criou mercados para empresas nacionais e multinacionais e atraiu investidores de todo o mundo.
Mas, após quase uma década de condições, em larga medida, favoráveis no mundo, a economia, repentinamente, começou a rastejar. Para que o país consolide a recém-adquirida prosperidade, e continue sendo um dos motores do crescimento mundial ao lado da Rússia, Índia e China (outros integrantes do Brics), Dilma precisa encontrar um novo modelo de desenvolvimento.
Em um mundo afligido pela crise econômica, a questão é se ela poderá conseguir a aprovação das mudanças necessárias para iniciar uma segunda década de crescimento. Isso inclui atacar as espinhosas questões da falta de competitividade e dos altos custos trabalhistas no Brasil.
Se Dilma está sentindo a pressão, não há nenhum sinal disso quando ela entra na modesta sala de reuniões vizinha a seu gabinete no palácio presidencial, com um ar confiante mas, aparentemente, sem correr riscos: no pulso, a presidente traz um amuleto tradicional contra “mau olhado”.
Ela tem uma reputação de exigente cobradora de tarefas: sabe-se que já fez ministros chorarem, em reuniões, por não terem feito a lição de casa. Mas quando um assessor entra na sala, e tenta falar português com forte sotaque espanhol, ela gentilmente o provoca, imitando suas cadências. “Nós falamos também espanhol, aqui “, diz ela, bem humorada.
Quando Dilma chegou ao poder, em janeiro do ano passado, como sucessora “eleita” pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, havia ceticismo quanto à capacidade dessa tecnocrata, que nunca havia ocupado um cargo eletivo, de controlar a coalizão de mais de dez partidos encabeçada pelo PT. Os críticos não contavam, porém, com a determinação da primeira mulher eleita presidente do Brasil.
“As pessoas diziam que ela não tinha experiência política”, disse Fernanda Montenegro – atriz brasileira com uma indicação ao Oscar, e que, comenta-se, é a atriz favorita de Dilma -, durante um evento em Nova York, no ano passado. “Mas acredito que ganhamos com Dilma na Presidência, porque ela não se enquadra na maneira tradicional de fazer política no Brasil.”
Se no ano passado, Dilma testou suas habilidades políticas, neste ano está sob pressão para reanimar a economia. Após crescer 7,5% em 2010, impulsionado pelos altos preços das commodities e por um boom de crédito e de consumo, o nível de crescimento caiu para 2,7% no ano passado. Neste ano, poderá ser de apenas 1,5%.
Solicitada a citar os principais problemas, Dilma aponta para um suspeito familiar. A política americana de afrouxamento monetário, quando não acompanhada de políticas fiscais para absorver excesso de recursos financeiros, resulta em desvalorização da moeda e inflação. “Políticas monetárias expansionistas, que resultam em desvalorização da moeda, são políticas que criam assimetrias nas relações comerciais, assimetrias graves”, diz ela.
Devido à política dos EUA e de outros países, que tentam escapar do esfriamento econômico valendo-se de exportações, o Brasil recusou-se a tornar-se um mercado indiscriminadamente importador. O governo vem tentando proteger setores da economia por meio de medidas como aumento de imposto sobre carros com mais de 40% de conteúdo importado. Isso, e a recente decisão de elevar as tarifas sobre centenas de produtos – de tubos de ferro a pneus para ônibus -, provocou queixas de parceiros comerciais, inclusive dos EUA.
Em discurso na Assembleia Geral da ONU, no mês passado, Dilma retrucou, dizendo que “medidas legítimas de defesa” não podem ser rotuladas de protecionismo. “Esse país não se limita a montar coisas”, diz Dilma. “Queremos um país que produz, que cria conhecimento e os aplica aqui. Queremos uma força de trabalho qualificada.”
Ela reconhece que muitos dos problemas do Brasil são, também, produzidos localmente. Custos elevados da mão de obra, baixa produtividade, infraestrutura precária e tributação elevada – com os gastos do governo equivalentes a 36% do Produto Interno Bruto (PIB), ou seja, o equivalente a muitos países avançados europeus, mas sem os mesmos níveis de eficiência – criaram uma situação na qual a inflação surge sempre que a economia começa a crescer.
Embora a presidente não prometa um pacote “big bang” de reformas, como o adotado recentemente na Índia, desregulamentando os setores varejista e de companhias aéreas, Dilma diz que o Brasil está reduzindo o custo de mão de obra, ao cortar impostos sobre a folha de pagamento. Até agora, 40 setores industriais já foram beneficiadas. Outras medidas tributárias estão a caminho. “Isso é importante, porque não queremos punir aqueles que empregam “, diz ela.
O governo também está acelerando a licitação de concessões de infraestrutura, tendo já passado para a iniciativa privada aeroportos em São Paulo, Campinas e Brasília. Também está se preparando para distribuir concessões rodoviárias e ferroviárias, num total de R$ 133 bilhões. Portos serão a próxima bola da vez Esses projetos são vistos como cruciais, em antecipação à Copa do Mundo de 2014 e aos Jogos Olímpicos do Rio, dois anos depois. “Queremos parceiros do setor privado, de qualquer origem”, diz ela.
Outro grande programa do governo é baixar os tradicionalmente altos juros do Brasil. Em 12 meses, o Banco Central cortou os juros em 500 pontos-base, para um mínimo recorde de 7,5%. Mas Dilma e seus ministros também pegaram pesado, pressionando os bancos a baixar as taxas na concessão de empréstimos. Embora os bancos sejam criticados por cobrar taxas usurárias no Brasil – os juros nos cartões de crédito podem exceder 100% -, a intervenção verbal do governo criou temores de interferência no mercado. Dilma sustenta firmemente sua posição.
O Brasil foi o último “almoço grátis” no mundo, para os bancos, diz ela, referindo-se às altas taxas de juros que cobram dos clientes. “Estamos retornando níveis normais de rentabilidade. Isso significa que alguns de nós precisam começar a buscar lucros adequados em atividades produtivas que sejam boas para o país.”
Ela é igualmente inflexível sobre uma outra área em que o governo é acusado de interferência no setor privado – sua decisão de cortar os lucros que as operadoras do sistema elétrico estão autorizados a realizar. Puxando um bloco de notas, ela desenha um gráfico representando a vida da usina hidrelétrica média, onde as instalações continuam a produzir energia durante muito tempo após o investimento inicial ter sido pago – mas as empresas querem continuar a cobrar os mesmos preços elevados.
O governo deu às operadores uma escolha – reduzir os preços agora e renovar o contrato, ou aguardar o contrato expirar e arriscar-se a perdê-lo. O resultado foi um corte de 16% nos preços da energia para os consumidores e uma redução de 28% nas tarifas para os clientes industriais. “Isso é muito importante, pois precisamos reduzir os custos”, diz Dilma sobre a iniciativa.
Enquanto seu antecessor curtia o palco internacional, Dilma é uma diplomata desapaixonada. Ela provocou reações de americanos e europeus na Assembleia Geral da ONU, no mês passado, ao alegar que a islamofobia está em ascensão nos países desenvolvidos. Mas, de modo geral, caracteriza o Brasil como um país amigo de todos, com relações especiais com os países africanos lusófonos e seus laços estreitos com a Europa, devido à imigração. “O mundo, para nós, é multipolar”, diz.
Sobre o cenário doméstico, ela não quis fazer comentários sobre o histórico julgamento, na Supremo Tribunal Federal, do “mensalão”, caso de corrupção ocorrido durante o primeiro mandato de Lula. Mas parece claramente preocupada com a governança. Ela relata o caso de um prefeito, que deveria ter construído duas escolas com recursos do governo federal, mas ergueu apenas uma e embolsou o resto da verba. O prefeito colocou fotos na internet das escolas em construção. A fraude acabou sendo descoberta quando um mesmo cachorro apareceu em fotos do que, supostamente, eram duas escolas distintas.
“A gente tem que estar preparada para tudo na vida, mas um cão denunciando um prefeito…”, diz a presidente, rindo. Ela fica, de repente, séria. “Estamos informatizando toda a estrutura do governo, porque isso vai nos permitir controlar o que a máquina faz”. Esses processos são “banais”, mas necessários, diz.
Uma presidente que dá atenção aos detalhes, por banais que sejam, é, possivelmente, o que o Brasil precisa ao buscar consolidar as conquistas da década passada e continuar sua ascensão como país de classe média. Mas, uma vez que as reformas estão apenas começando, muita coisa dependerá de quão empenhada ela está em fazer as “coisas difíceis”.