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Postado em: 03/05/2011 - 12h04 | Rede Brasil Atual

Luz: projeto de reurbanização opõe comunidade e Kassab

 

São Paulo –  O prefeito de São Paulo Gilberto Kassab (ex-DEM, rumo ao PSD) apresentou na França, em março deste ano, o projeto de revitalização da Nova Luz. Na ocasião, Kassab foi em busca de parceiros internacionais para a empreitada paulistanada na Feira Internacional dos Profissionais do Setor Imobiliário (Le Marche International des Professionnels de I’lmmobilier). Para moradores da região, ouvidos pela Rede Brasil Atual, o projeto da Nova Luz, apesar de estar em andamento desde 2010, ainda tem muitos aspectos obscuros.

Mesmo moradores instalados há décadas no bairro desconhecem o teor do projeto. Maria José Ribas, de 58 anos, vive há 46 no mesmo prédio. Ela emociona-se ao falar das intervenções, que causam insegurança a mais de 11 mil moradores. “Kassab foi mostrar o projeto da Nova Luz na França, mas não mostrou aqui”, afirma. “Acho que a gente merecia ter sido consultado antes”, completa.

O projeto de revitalização da Luz foi aprovado pela lei 14.917/09 e dividido em duas etapas, ambas licitadas pela prefeitura junto a empresas particulares. Na primeira etapa, que deve terminar em maio deste ano, as empresas do consórcio que venceu o processo licitatório – Concremat, Companhia City, Aecom e FGV – realizaram o projeto urbanístico da Nova Luz.

A ideia de realizar intervenções urbanísticas na região da Luz não é nova. Mas o sinal de alerta para uma grande reestruturação surgiu com algumas demolições nos últimos três anos.”Nós começamos a investigar o motivo das demolições e descobrimos o projeto da Nova Luz”, conta Maria. “Quando soubemos já estava tudo pronto”, lamenta.

Sinônimo de roubo

 

Para Maria José, a pretensão da prefeitura de desapropriar e demolir casas e prédios é “sinônimo de roubo”. “Não dá para acreditar que vão retirar a gente para botar outras pessoas. Não depois de uma vida toda aqui”, indigna-se.

O projeto pretende reformar 45 quadras da área delimitada pelas avenidas Cásper Líbero, Ipiranga, São João, Duque de Caxias e rua Mauá. Entre as alterações previstas para o local estão desapropriações e demolições de 60% dos imóveis.  

A falta de informações e de garantias da prefeitura deixam moradores e comerciantes preocupados. “Somos mais de 11 mil pessoas, só entre moradores, mas não existimos para o prefeito Kassab”, avalia Maria. 

“Como você adere a um projeto que você não sabe o que é e não sabe quem você é no projeto?”, questiona o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas da Santa Ifigênia, Joseph Hanna Fares Riachi. “Nenhum documento foi gerado desde que estamos conversando com a prefeitura. Faltam garantias”, alerta.

O medo de grande parte dos moradores é de ter de sair de suas casas ou apartamentos. “Ninguém sabe o que é perder sua casa aos 60 anos”, cogita Maria chorando, enquanto atende a reportagem. Maria vive em um dos prédios da região, chamados de palacetes. O local, tombado pelo patrimônio histórico, mantém as características da década de 1920, quando foi construído. 

Um dos quartos do apartamento de 140 metros quadrados recebe iluminação de quatro janelas altas e largas de madeira. Por dentro, todas as portas acompanham o pé direito elevado e são pintados de um tom lilás suave. Cada cômodo do apartamento da aposentada praticamente equivale a uma quitinete na capital paulista.  

 

Ela mudou-se para o apartamento aos 12 anos, cresceu no local, depois casou e criou os filhos, que  moram com ela e o marido. “Minha vida foi toda no bairro, se me tirarem daqui não sei o que fazer. Ainda mais porque sou deficiente”, relata. Maria é aposentada por invalidez, caminha com apoio de muletas devido a uma artrose no joelho, e depende de constante hemodiálise, desde que perdeu um dos rins. Para ajudar no sustento da família, ela recorda os tempos em que trabalhava 20 horas por dia. “Esse projeto é um desprestígio da nossa história, dos comerciantes e moradores”, insiste.

O morador Ranieri Gomes da Silva também não vê motivos para sair do palacete. “Daqui eu não saio. Eu tenho o melhor aqui dentro, para que vou sair?”, dispara.

Cracolândia

Para Maria José, o projeto da Nova Luz tem vários equívocos. Um deles é chamar de revitalização as intervenções no bairro. “A Luz tem vida diurna e noturna e nós temos tudo aqui”, relata. “O que falta é a prefeitura cuidar dos dependentes químicos, e isso não está sendo feito, nem está no projeto”, contesta.

A moradora  acredita que a prefeitura tenta desmoralizar o bairro classificando-o totalmente como cracolândia. “Esse não é o retrato do bairro”, defende. “Se tem 200 ‘craqueiros’, há milhares de trabalhadores morando aqui em paz”, aponta. “A cracolândia, foram deixando acontecer. Se pegarem o bairro, eles tiram no dia seguinte.”

Ela conta que, em quase 50 anos na região, nem ela, nem os filhos sofreram violência. “Há casos (de violência), mas não como dizem”, explica. “Meus filhos chegam tarde da noite do trabalho e nunca houve nada”, afirma a aposentada.

Para mais informações, acesse: http://www.redebrasilatual.com.br/temas/cidades/2011/04/somos-mais-de-11-mil-pessoas-mas-nao-existimos-para-o-prefeito-kassab-diz-moradora-da-luz