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Postado em: 06/01/2006 - 09h33 | Redação

Informação e ditadura da suspeita

Crise, aliás, pseudocrise, ou crise nascida da credibilidade da crise? Até onde, nessa pergunta, já estamos diante inclusive das sentenças mediáticas, em que se plasma uma opinião pública por sobre a espontaneidade das convicções-cidadãs? Não é outro talvez o problema mais grave da dita democracia profunda, hoje em debate na ONU. Farão os meios de comunicação o deslinde entre a absoluta isenção no informar e o dar à mesma a interpretação, ou o comentário, como se espera do veículo que a porta?

Nessa linha de frente, está entre nós a Folha, no pioneirismo com que criou o instituto de ombudsman e mereceu Marcelo Beraba, agora, o seu reconhecimento internacional. Mas estamos no começo da consciência-cidadã, a defender o quanto o patrimônio público a que se refere a Carta Magna não só envolve a preservação dos bens históricos ou da integridade da natureza mas a garantia de que o universo da informação mantenha seu suposto de verdade. É esse o primeiro dos patrimônios públicos.

É só agora que começam a despertar as ações populares, garantidas pela Carta do dr. Ulysses, para assegurar a limpeza do duto da mídia como veículo do fato, antes de lhe emprestar o comentário, a versão ou o viés da crença.

Está-se, por exemplo, diante desse suposto da democracia profunda quando circulam, deliberadamente, como informação, frases, como foi o caso da suspeição de Gilberto Carvalho no caso Celso Daniel, de juízes condenados por peculato e de notórios repentistas da mentira? Ou quando, repetidamente, ganham manchetes declarações que retornam sempre aos ditos de um morto e ao nó górdio de todas as dúvidas?

No quadro da grande cidadania, o Primeiro Mundo, este que vem de premiar a Folha, criou, dentro do seu próprio circuito de consciência institucional e a partir de seus consensos, a triagem não só entre o que é fato e opinião. Mas, sobretudo, distingue o que tem o indiscutível critério de verdade, para merecer a circulação mediática e a indústria dos abates de imagem na manipulação da credibilidade da informação.

A derrubada de José Dirceu ratifica, de forma inquietante, a ditadura da opinião sobre os fatos. Foi a cutelo, em completa falta de provas, tão-só obedecendo à lógica das conveniências, com que se cumpre sua pretendida solução das crises, em um toma-lá-dá-cá entre governo e oposição. Na seqüência da cassação, nasceu um mal-estar difuso em que dói uma consciência cívica mais funda.

Se há culpabilidade petista, que se a apure à luz de evidências. Tal como um Brasil de fundo mantém a credibilidade em quem elegeu estrondosamente há três anos. O governo é diferente enquanto, de fato, se vincula ao país dos desmunidos, que nele votou, que não está preocupado com as denúncias de Roberto Jefferson e que acredita na lógica da mudança, assentada na crença do “Lula-lá” e do enorme investimento simbólico da vitória de 2002.

Nada mais melancólico que o relatório de Abi-Ackel, dando fim inglório à CPI do Mensalão. Talvez, quem sabe, haja culpados, repete, mas não pode indiciar ninguém por falta de provas. O que começou com todo o estrépito da suspeita continua, sonâmbulo, na ribalta dos inquisidores e acaba na água de barrela -no constrangimento e no pigarro das CPIs-, a autorizar o anticlímax das futuras conclusões.

A desmoralização do denuncismo, de toda forma, pode ser o saldo da crise, ou pseudocrise. É inseparável do repúdio, pela consciência-cidadã, da informação manipulada e sua conseqüência mais grave para o avanço da democracia profunda. Ou seja, a distância entre opinião pública e formação da consciência popular pela sofreguidão mediática.

As obsessões pelo impeachment descartaram a própria verossimilhança, transformando o dinheiro de Cuba nas clássicas suspeitas do “ouro de Moscou”. O valerioduto jorra simetricamente entre tucanos da mais alta estirpe e petistas da mais ilibada reputação. A liderança do PSDB só pode sair do empate da abominação propondo o inquérito segregado, fora de todo micróbio petista. O caixa dois dos bons separa o trigo mineiro do joio poluído do ABC.

A impaciência do relator Serraglio é a de quem sabe que tem de bater em martelo diante dos impasses em distinguir ou poupar um abuso generalizado do poder econômico no quadro político em que os indigitados “mensalões” repetem e modernizam o nepotismo da República Velha e as clientelas que ainda povoam no atual Congresso Nacional o baixo clero e seus Severinos.

Acordões sempre é o que pede o sábio laxismo do sistema. Exorcismos, claro, por cassações empatadas. De que fatalidade vem o abate de José Dirceu? A da crise de sempre, que não faz mal a ninguém, ou da pseudocrise feita crise, para de vez abalar a lógica da mudança e o a-que-veio o partido diferente?

Candido Mendes, 77, membro da Academia Brasileira de Letras e da Comissão de Justiça e Paz, é presidente do “senior Board” do Conselho Internacional de Ciências Sociais da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). Artigo publicado na Folha de São Paulo, dia 03/01/06, na página 03.