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Postado em: 21/05/2010 - 14h11 |

Conjuntura Politico Eleitoral

Setores emergentes decidem a eleição, projeta cientista político   
O cientista político Emir Sader é um dos principais pensadores da política de esquerda no Brasil.

Em entrevista ao Jornal do Comércio, de Porto Alegre, ele analisa o cenário eleitoral deste ano e sustenta que não há como fugir do debate plebiscitário entre a candidatura de Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB), a partir das gestões do tucano Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e do petista Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010).

Ele argumenta que, num cenário de avaliação entre as duas gestões, a eleição acabará sendo decidida com os votos dos setores populares que, amparados pelas políticas sociais, melhoraram suas condições de vida e tiveram acesso a bens fundamentais.

Forte crítico da administração tucana, acrescenta que o plano de Serra é chegar ao governo para implementar um pacote econômico com duro ajuste fiscal, repetindo a fórmula do PSDB.

Em contraposição, como colaborador na formatação do plano de governo de Dilma, Sader informa que, além da manutenção da política econômica, as diretrizes do programa serão educação, habitação e saneamento básico. “O pré-sal vai ser a grande fonte para fazer isso”, acrescenta.

A reportagem e a entrevista é de Paula Coutinho e Gisele Ortolan e publicada pelo Jornal do Comércio, 17-05-2010.

Eis a entrevista.

Qual é o cenário da disputa à presidência da República?

Há duas interpretações. Uma estrutural, com dois tipos de governo. São os mesmos blocos que pleiteiam candidatos similares. Portanto, é justo compará-los. O governo tucano tinha maioria absoluta no Parlamento e, comprando votos ou não, mudou a Constituição para aprovar um segundo mandato. Ainda teve apoio da imprensa nacional e internacional, além de alianças amplas. Depois veio o governo Lula, em condições diferentes. Saiu ileso da pior crise do capitalismo internacional desde 1929. O governo Fernando Henrique Cardoso, ao contrário, subiu a taxa de juros e levou o Brasil à crise excessiva, profunda e prolongada, só recuperada com o governo Lula. Eles (os tucanos) têm que ter vergonha do que fizeram. Serra estava lá, apoiou tudo. Foi quem mais quis a privatização da Vale do Rio Doce. Ao que se sabe não fizeram autocrítica, portanto, assumem. Isso é a comparação de fundo. Querem sustentar que há um tal consenso lulista de que todos continuariam. Não é verdade. Já veio à tona, pela equipe econômica de Serra, que seus planos começam com um pacote econômico, com um duro ajuste fiscal. O famoso choque de gestão que eles adoram.

A governadora Yeda Crusius (PSDB) usou esse termo no Rio Grande do Sul.

Sabe-se muito bem o que significa a gestão pública-privada da governadora. Mas Serra quer esconder. A campanha eleitoral está separada do governo. A campanha de cada candidato é feita não na base do que se quer fazer, ou do que se vai fazer, mas sobre o que quer a opinião pública. O que pesa melhor? Dizer que sou contra o Lula ou que sou a favor? É um expediente de marketing do qual Serra se utiliza. Vamos ver até onde, pois há uma grande margem do eleitorado, sobretudo de origem mais pobre, que diz que votará no candidato de Lula. Serra quer disputar esse eleitorado.

Os setores que emergiram para a classe média?

Não exatamente para a classe média, mas que melhoraram suas condições e estão tendo acesso a bens fundamentais. Eles vão decidir a eleição. No Brasil, o país mais injusto do continente, a maioria da população é pobre e  se beneficiaria das políticas sociais do governo. Ela, portanto, será decisiva. São setores emergentes em termos econômicos, mas que ainda não são emergentes em termos políticos.

Estes setores ainda não têm uma consciência política?

Têm certa consciência social, mas não têm auto-organização para expressar suas opiniões diretamente e ter interferência no processo político.

Lula é o principal cabo eleitoral de Dilma?

O governo é expresso em Lula, no qual a Dilma tinha um papel fundamental. Então, não é um elemento alheio a ela. Toda a projeção dela acontece pela dinâmica que o governo assumiu desde 2005. Dilma é a representante mais significativa da mudança interna do governo.

Questiona-se a capacidade que Lula teria de transferir votos para Dilma.

Já transferiu. Essa primeira interrogação foi decifrada. O problema é saber como será a continuidade disso. Mas Dilma era candidata com 5%, depois 10%. Agora chega a um empate técnico. Isso é óbvio e evidente.

E qual o reflexo terá na candidatura do PT a ausência da de Ciro Gomes (PSB) na disputa?

Tudo o que tende a uma polarização entre os dois governos favorece Dilma. O que significa a candidatura da Marina Silva (PV)? Nada. Ela se alinha com os tucanos. A polarização é forte de tal maneira que Marina sequer consegue definir o espaço de uma terceira via.

Há quem diga que Marina fica com os votos de eleitores insatisfeitos e desacreditados com a política.

�? a cantilena de que o tema ecológico é transversal. Se for, vira terceira via e supera todas as outras. Então, não é verdade. O fato de Marina se associar, no Rio de Janeiro, com o palanque tucano mostra que ela está reiterando que a eleição é plebiscitária. Não é o que foi a Heloísa Helena (P-Sol), uma crítica de esquerda ao PT. Agora, Marina está à direita do PT, claramente. Sempre que os verdes se autonomizaram da esquerda foram para a direita.

A comparação entre Lula e FHC vai dominar o debate eleitoral?

O Brasil vai decidir se o governo Lula foi um parêntese e as oligarquias tradicionais voltarão a dirigir o Estado ou se vai apoiar os avanços do governo Lula e sair definitivamente do modelo neoliberal, construindo na primeira metade do século uma sociedade justa, soberana e solidária. Pela primeira vez diminuiu a desigualdade no Brasil. São dados estatísticos reais. Qualquer comparação da gestão Lula com o governo FHC é acachapante, devastadora. Por isso, querem deslocar a discussão para outras coisas.

Dilma e Serra estão empatados nas pesquisas. Ela pode ultrapassá-lo?

Fará isso no momento em que for mais socializada a informação de que ela é a candidata do Lula. A última informação do comando tucano é de que precisariam ter vantagem de 8 milhões de votos em São Paulo e Minas Gerais para neutralizar os votos do Nordeste e de outras regiões do Brasil. É hercúlea essa tarefa. Conseguir 5 milhões em São Paulo já não é fácil e 3 milhões em Minas é duro. O PSDB incorporou a ideia de que a tendência normal lhe é desfavorável. Daí é apelação, é baixaria.

Pode cair o nível?

Tudo que eles consideram tropeço e gafe da Dilma tem um destaque extraordinário. O Serra chegou a falar uma aberração em Santa Catarina. Reuniu-se com evangélicos e disse que fumante é adepto do diabo, algo desse tipo. É uma barbaridade. Se estivesse na boca de um vereador do PT, seria uma gafe pública. Então, é uma manipulação evidente das informações. Além do mais, é uma imprensa monopólica, financiada pelas grandes empresas de publicidade e que se interpõe entre a voz dos governantes e o povo. Lula não consegue falar para o povo. A imprensa pesca só o que acha que vale a pena.

Lula tem o histórico de não ganhar no Rio Grande do Sul. O fato de Dilma ter tido uma trajetória política no Estado favorece o voto no PT?

Criou-se uma certa classe média de São Paulo aqui no Sul, com sentimento discriminatório com o PT, um antipetismo. Mas quem deu prestígio à administração pública de Porto Alegre foi o PT. Criou-se esse mecanismo, alimentado pela imprensa, de diabolização do PT. Acho que está se caminhando para quebrar isso. Menos no Paraná, um pouco em São Paulo, provavelmente em Santa Catarina, que é menor, mas no Rio Grande do Sul, dessa vez, isso não existe. Dilma pode ganhar aqui.

Apoiada por setores da classe média?

Dividindo a classe média.

Ela foi bem recebida pelos empresários, na Fiergs.

Segundo pesquisa recente, todo o empresariado é a favor da política econômica do governo Lula, mas vai votar no Serra. Quem tem tucanos como Tasso Jereissati, Serra, FHC para administrar o Estado não vai querer negociar com o PT.

Serra afirma que o governo federal não tem um plano para integrar seus projetos de desenvolvimento.

Eles aparentemente querem incorporar os projetos sociais, mas a crítica é ao PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), como se fosse uma farsa. Se o PAC não avançou mais é porque, como diz a Dilma, eles reduziram o Estado a uma instância cercada por órgãos de controle desarticulando os órgãos de execução.

O senhor participa do grupo de trabalho do plano de governo de Dilma?

Estou participando dos debates e assessorando Dilma. Estou organizando uma reunião dela com os intelectuais em São Paulo, no Rio de Janeiro. Estou sempre conversando com ela, mas não tenho participação formal na campanha.

Qual é o extrato do plano de governo?

Privilegiar educação, habitação e saneamento básico. O pré-sal vai ser a grande fonte para se fazer isso. Serra não fala do pré-sal. Eles tentaram privatizar a Petrobras. Estão salivando. Imagina o pré-sal nas mãos deles. Nossa proposta é utilizar esses recursos para terminar com a pobreza nessa década no Brasil.

E as reformas política e tributária?

O que está pendente para fazer é terminar com a hegemonia do capital financeiro através da subordinação real do Banco Central ao plano geral do governo. Taxa de juros alta atrai capital especulativo e fortalece a hegemonia do capital financeiro. Em segundo lugar, mudar o modelo de agronegócio, no qual tem que ter um papel determinante a pequena e média empresa que produz alimentos para o mercado interno e gera emprego. Em terceiro lugar, democratizar a formação da opinião pública, quebrar a hegemonia dessas quatro ou cinco famílias que forjam a opinião pública no Brasil.

Qual sua avaliação sobre o ingresso da Venezuela no Mercosul?

Os tucanos teriam levado o Brasil e a América Latina à área de Livre Comércio das Américas (Alca). Estaríamos na situação em que está o México, 90% do comércio é com os Estados Unidos, retrocesso de 7% da economia, acordo com FMI e carta de intenções. Se o Serra ganhar, romperá as alianças com a América do Sul e o Sul do mundo. Eles são pelas alianças subordinadas ao centro capitalista, que é o que o FHC fazia. Não fosse a vitória do Lula, que brecou a fase final em que Brasil e EUA administrariam a composição da Alca, a América Latina teria entrado.

Apesar de reconhecido como liderança internacional, Lula foi bastante criticado por sua política externa.

A política externa não é separada da política interna. É porque o Brasil é soberano lá fora que é soberano aqui dentro. O Brasil não está colocando dinheiro em auxílio externo para deixar de fazer política social aqui dentro. O governo Fernando Henrique Cardoso não foi nada solidário lá fora. E foi solidário com o povo brasileiro?