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Postado em: 08/12/2010 - 15h02 | Carta Capital

Camisinhas ao alcance

Instalada no pátio, no corredor, no banheiro ou mesmo na enfermaria da escola, uma máquina semelhante às utilizadas para vender refrigerantes e salgadinhos pode ser a fonte em que alunos do Ensino Médio da rede pública poderão conseguir pacotes de preservativos. Este cenário será realidade caso vingue o projeto piloto para instalar máquinas automáticas de distribuição de camisinhas nas escolas. Fruto de parceria entre o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação, a iniciativa faz parte do Projeto Saúde e Prevenção nas Escolas (SPE), que conta com o apoio de órgãos como a Unesco e o Unicef.

“A escola é mais um espaço para o jovem ter acesso aos insumos de prevenção e à informação também”, explica Nara Vieira, do Departamento de DST/Aids e Hepatites Virais, órgão ligado ao Ministério da Saúde. Trazer a camisinha para dentro da escola é apenas uma das ações do SPE, cujo objetivo global é promover a saúde sexual e reprodutiva dos adolescentes, ao articular políticas públicas que tornem os jovens menos vulneráveis a doenças sexualmente transmissíveis e à Aids. Contribuir para a redução dos índices de evasão escolar causados pela gravidez na adolescência também é uma das metas do programa. “A partir do momento em que há uma máquina dispensadora de preservativos na escola, sem dúvida ela vai despertar interesse para discutir sobre o tema da prevenção.”
 
O projeto prevê a instalação das máquinas apenas em estabelecimentos de ensino que façam parte do SPE, ou seja, que já realizem ações educativas e discussões sobre prevenção e sexualidade com a comunidade escolar. De acordo com o Censo Escolar de 2008, cerca de 60 mil escolas de Ensino Básico participam do programa e 11 mil distribuem de alguma forma o preservativo para seus alunos. “A máquina vai ser apenas um facilitador, não vai implicar mudança alguma dentro da escola”, esclarece Ellen Zita, assessora técnica do Departamento de DST/Aids e Hepatites Virais. Segundo Ellen, um dos objetivos da ideia é harmonizar as formas de distribuição do preservativo. Assim, a máquina não funcionaria como um elemento isolado, mas, sim, como um complemento de um projeto pedagógico maior.
 
Aluno do terceiro ano do Ensino Médio, Renan Souza Meira, 18 anos, faz coro com uma pesquisa realizada em 2005, na qual foi constatado que 89,5% dos estudantes consideram a disponibilização de camisinhas no ambiente escolar “uma ideia legal”. “Acho ótimo. Vai evitar o constrangimento de precisar ir até uma farmácia para comprar”, defende. A mesma pesquisa, feita com 102 mil estudantes em 14 estados, revela ainda que o principal motivo alegado por 42,7% dos estudantes para não usar o preservativo é não tê-lo na hora H – cerca de 10% deles declararam ainda que não têm dinheiro para comprá-lo.
 
Seis escolas públicas do Ensino Médio em Santa Catarina, na Paraíba e no Distrito Federal receberão as 40 primeiras máquinas para ser testadas dentro do ambiente escolar. Os protótipos são de tecnologia 100% nacional e foram desenvolvidos a partir de um concurso (Prêmio de Inovação Tecnológica) lançado em 2007 para todos os Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefets) do Brasil. Foi de Santa Catarina que saiu o protótipo de máquina mais bem avaliado, escolhido para ser usado no projeto.
 
As máquinas oferecerão preservativos masculinos de dois tamanhos aos alunos, mediante a apresentação de uma senha e do número de matrícula. O número de preservativos disponíveis para cada aluno ainda não foi estabelecido e será decidido de acordo com os resultados dessa primeira experiência, prevista para durar seis meses. “O contexto de cada escola vai modificar o projeto inicial. Não existe fórmula mágica”, explica Ellen Zita.
 
MUDANÇA DE PARADIGMA
 
Além de ser uma forma de sistematizar as diferentes formas de distribuição do preservativo nas escolas, oferecer camisinhas gratuitamente, por meio de uma máquina automática, facilita o acesso do jovem ao preservativo, uma vez que evita que ele deixe de adquirir o produto por falta de dinheiro ou embaraço de precisar pedir para terceiros ou ir até um posto de saúde retirar a camisinha.
 
No terceiro ano do Ensino Médio, Verônica Nogueira, 17 anos, acha que a instalação da máquina em escolas pode contribuir também para iniciar um debate em torno do assunto. A estudante acredita que, apesar do estranhamento inicial de pegar camisinhas “na frente de todo mundo”, a máquina poderia tornar o processo de aquisição do produto mais fácil. Aluna de um colégio particular em São Paulo, Verônica não tem aulas de educação sexual. “Eu sinto muita falta, acho que eles deveriam tirar mais dúvidas da gente.” De acordo com a estudante, o assunto “sexo” só é abordado na aula de Biologia, mesmo assim “muito por cima”.
 
Para a sexóloga Maria Cláudia de Oliveira Lordello, o adolescente em geral tem acesso ao conhecimento de que é preciso usar camisinha e outros métodos anticoncepcionais, a fim de evitar a gravidez e a contaminação por DSTs. Ainda assim, os anos de campanhas massivas a respeito da importância do uso do preservativo parecem não ter sido capazes de modificar alguns comportamentos típicos da adolescência. Talvez seja por isso que, quando o assunto é camisinha, a prática acaba se provando muito diferente da teoria. Um dos motivos, de acordo com a especialista, é o pensamento do “comigo não acontece”. “Trata-se de um olhar bem típico dessa fase. O adolescente sente-se protegido, onipotente, e não tem muita consciência das consequências de seus atos”, explica. Ainda assim, a maior presença do preservativo no cotidiano do adolescente ajuda a contornar esse tipo de caso.
 
Outro problema constatado é a resistência de certos setores da sociedade, alimentada pelo pensamento, equivocado, na opinião da sexóloga, de que falar sobre sexo com os jovens estimularia de alguma forma um comportamento sexual mais precoce. “Isto não é real. Muito pelo contrário. Quanto mais se fala, menos curioso e proibido o assunto se torna.” Apesar da impressão de que hoje o sexo é encarado com mais naturalidade pela maioria, Maria Cláudia lembra que ainda é complicado para muitas pessoas entender o sexo como algo prazeroso – e não só como uma forma de reprodução. A origem de tal pensamento estaria na repressão sexual experimentada durante séculos pela sociedade ocidental, que só começou a ensaiar uma abertura a partir da revolução sexual dos anos 60. “A mudança de conceito do sexo reprodutivo para o sexo prazeroso está sendo difícil. Esta ainda é a principal dificuldade que os pais encontram na hora de falar com seus filhos sobre sexo”, explica. Apesar desse tipo de reação, a realidade apontada por pesquisas é de que a população brasileira inicia sua vida sexual por volta dos 15 anos. Outro dado apontado é que praticamente a metade – 44,7% – dos estudantes já possui vida sexual ativa. “A existência da máquina de camisinha atesta justamente isso, que os jovens fazem sexo por prazer e não só para se reproduzir”, afirma a sexóloga.