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Postado em: 22/08/2012 - 13h40 | Correio Braziliense

Brasil tem a quarta pior distribuição de renda do continente

Com quase 80% da populações vivendo em cidades, a América Latina e o Caribe têm como maior desafio neste início de século reduzir a desigualdade social. O relatório Estado das cidades da América Latina e do Caribe – 2012, do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), aponta a região como a mais urbanizada e desigual do mundo. O estudo, pioneiro, traça o panorama do desenvolvimento latino-americano e escancara as grandes deficiências que persistem no processo de urbanização. Ao mesmo tempo, indica que os países dispõem dos requisitos para alcançar um desenvolvimento urbano sustentável, nas próximas décadas, e deixar no passado as mazelas da pobreza. O Brasil, apesar do avanço na distribuição de renda nos últimos anos, aparece como o quarto país mais desigual, atrás apenas de Guatemala, Honduras e Colômbia.

O texto aponta que, em geral, o deslocamento dos latino-americanos do campo para o meio urbano tem sido positivo e “desperta grandes esperanças”, mas ainda reserva “amargas desilusões”. Segundo o estudo, muitas cidades da região têm passado por uma transformação “traumática e às vezes violenta, por sua celeridade, marcada pela deterioração de seus entornos e, sobretudo, por uma profunda desigualdade social”. “As cidades da região apresentam os maiores índices de desigualdade do planeta. Ela é grande e séria, mas a boa notícia é que está se reduzindo, e rapidamente”, disse ontem o representante da ONU-Habitat para a América Latina, Erik Vittrup. Em entrevista coletiva, no Rio, ele destacou que alguns países geram preocupação. “A má notícia é que algumas economias importantes ainda se encontram em uma situação na qual a iniquidade continua subindo. Por isso, estamos fazendo um esforço, em particular no caso da Colômbia e de outros, para discutir o tema e tentar diminuir esses índices.”

Rumo ao equilíbrio

Embora sejam hoje a região mais urbanizada do mundo, a América Latina e o Caribe exibem a densidade populacional mais baixa. Europa, Estados Unidos, Índia e Paquistão têm uma distribuição populacional mais equilibrada. Além disso, nesse cenário, o crescimento demográfico e a urbanização nos países latinos aparecem no relatório como processos que perderam força nos últimos anos. E, apesar do grande êxodo rural no passado, a evolução atual das cidades tende a limitar-se ao crescimento natural, o que se verifica desde os anos 1960. A partir dessa época, a população regional vinha aumentando em média 2,75% por ano. Atualmente, estima-se em 1,15% uma taxa que, de acordo com o relatório, se aproxima da mundial.

A concentração nos centros urbanos se fez acompanhar pela convergência da renda. Segundo Vittrup, cerca de 80% do Produto Interno Bruto (PIB) tem sido gerado nas cidades, o que contribui para a redução do desemprego e da pobreza urbana. “É um bom sinal”, apontou. O estudo reconhece que os países da América Latina e Caribe conseguiram avanços consideráveis na luta contra a pobreza, nos últimos 10 anos. A proporção de população urbana pobre foi reduzida, mas em números absolutos as cifras seguem muito altas. Aproximadamente 124 milhões de moradores das cidades vivem na pobreza, o que corresponde a um quarto dos pobres na América Latina.

Do ponto de vista econômico, a região vem saindo de um longo período de dívidas aumentando em espiral e os países “parecem estar mais preparados para resistir às crises mundiais”. De acordo com o estudo, por trás disso estão economias que assumem um papel cada vez mais importante no contexto local e global.

“Bônus demográfico”

Esse e outros fatores apontam para um cenário favorável. O relatório destaca que as nações latino-americanas se beneficiam de um “bônus demográfico”: a população ativa ainda é proporcionalmente maior que a do passado e supera amplamente a de crianças e de idosos. “É uma situação privilegiada, que não durará mais do que 30 anos e oferece a oportunidade de realizar grandes inversões e preparar os países para desafios futuros”, diz o texto. “Existem condições para uma nova transição urbana, com qualidade de vida, igualdade e sustentabilidade.”

Em geral, diminuiu a proporção de habitantes das favelas. Mesmo assim, são 111 milhões de pessoas na região, cifra maior que a de 20 anos atrás. Além disso, metade da população urbana latino-americana — um contingente de 222 milhões — reside em cidades com menos de 500 mil habitantes. Segundo a ONU, o progresso no acesso à água, ao saneamento e a outros serviços tem tornado mais atraentes as cidades de porte médio. Mas cerca de 14% desse total (65 milhões) vivem nas megacidades, que, de acordo com o estudo, veem seu peso relativo diminuir em detrimento das cidades menores.

Brasília é a quarta mais injusta

Brasília reúne os fatores que contribuem com a formação da desigualdade social. É uma cidade horizontalizada, com uma área nobre ocupada por uma população de alto poder aquisitivo e cercada por periferias pobres e deterioradas. Tais características colocaram a capital como a quinta com pior distribuição de renda na América Latina e a quarta no Brasil — entre as 24 cidades selecionadas pela ONU. Goiânia é a mais desigual, seguida por Fortaleza, Bogotá, Belo Horizonte e Brasília.

Durante a entrevista coletiva, ontem, Erik Vittrup, representante da ONU-Habitat para a América Latina, fez uma crítica indireta a Brasília. “É ridículo que, ainda hoje, reproduzimos cidades com modelos de expansão horizontal de um andar. No México, por exemplo, os grandes programas de habitação deixam as cidades com enormes áreas para o consumo de habitação, quando, precisamente, a vantagem de se morar na cidade é a concentração de habitantes, de serviços e da infraestrutura urbana”, analisou.

No entanto, os comentários negativos se estenderam a todo o Brasil. Vittrup enfatizou a fraca colocação no ranking da desigualdade social — o país ficou em quarto, atrás da Guatemala, de Honduras e da Colômbia. Ainda com uma colocação preocupante, o Brasil avançou nesse quesito, uma vez que, em 1990, encabeçava a lista da desigualdade dos países latino-americanos. O alto índice de pobreza urbana, que atinge cerca de 20% da população, também foi destaque no estudo.

Mais uma vez, porém, o país avançou nos últimos anos. Em 1990, 40% da população era composta de pobres e de indigentes. Uma melhora de pelo menos 20 pontos percentuais nas últimas duas décadas. As favelas brasileiras foram vastamente comentadas no relatório. Com 28% dos brasileiros habitando moradias precárias e não formalizadas, o Brasil ocupa a 14ª posição no quesito que analisa a população em favelas.

O atendimento de saneamento básico brasileiro foi outro alvo de críticas. De acordo com o estudo, 86,5% da população brasileira têm acesso ao serviço. O que coloca o Brasil como a 19ª nação da América Latina na distribuição de saneamento. O país também foi citado como o segundo maior poluidor do continente, atrás apenas do México. A violência, parte importante da pesquisa, foi apontada como a maior preocupação dos latino-americanos. Ao falar sobre o tema, Vittrup citou a queda da violência no Rio de Janeiro como um avanço que pode ser um estímulo para demais países. “O Rio já esteve no “top 10″ das cidades mais violentas. Agora, as mais inseguras se encontram na Guatemala e no México. Mas o Brasil ainda tem cidades muito violentas”, disse.

Elogios

Apesar das críticas, o pesquisador dinamarquês elogiou iniciativas de cidades brasileiras, como Curitiba e seu sistema de transporte público, e o projeto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), implantado no Rio — exaltado no texto. O orçamento participativo em Porto Alegre e a política pública de atenção às mudanças climáticas em São Paulo foram citados como bons exemplos.

Parcela da população urbana brasileira que vive em situação de pobreza é de 22,10%.