BNDES muda de papel e vira pilar contra crise
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) entra na nova década seis vezes maior do que há dez anos. Em 2000, a instituição financeira desembolsou R$ 23,3 bilhões para novos investimentos. Em 2009, injetou na economia brasileira R$ 137 bilhões, ritmo que deve ser mantido neste ano.
O forte crescimento, de certo modo, reflete o ganho de escala da economia brasileira. Por outro lado, mostra a prioridade dada ao BNDES como instrumento para esse ganho de escala. Em 2008, a instituição foi responsável por 14,2% do investimento na economia brasileira, contra 8,7% em 2000 – um crescimento médio de 10% de sua contribuição ao longo da década.
Os números despertam atenções e discussões sobre as prioridades do banco. De um lado, grupos que entendem que a instituição interfere demais na economia, prejudicando a competição com o setor privado. De outro, os que consideram que o banco deve estar presente nos projetos estratégicos do país.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, rebateu recentemente as críticas de que os desembolsos estão muito concentrados em torno dos maiores grupos econômicos do país. “É normal em qualquer lugar do mundo essa concentração nas grandes empresas. Mas qualquer empresa que apresentar um bom projeto pode ser contemplada com financiamento.”
Luiz Carlos Prado, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e ex-assessor da diretoria do BNDES (2003-04), concorda que é natural que os desembolsos se concentrem em determinados setores ao longo do tempo. Depende não apenas das demandas isoladas, mas das prioridades apresentadas pelo Estado brasileiro. Criado em 1952, o banco atende à agenda apresentada pelos governos.
Foi assim com Juscelino Kubitschek, no desenvolvimento da indústria de transportes. Com os militares, na expansão da indústria de bens de consumo. “A discussão sobre o custo gerado para o Tesouro para fazer investimentos no BNDES é um equívoco completo. Tem de levar em conta não apenas as taxas de juros, mas os tributos que serão pagos pelas novas empresas que surgirem”, afirma o professor (leia aqui entrevista na íntegra).
Que destino?
Uma avaliação a longo prazo dos negócios do banco permite ver a oscilação a que se referem os especialistas. Os balanços da segunda metade da década de 1990 e do começo da década atual mostram que, durante o governo Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), o banco foi utilizado para financiar a privatização e, logo em seguida, a modernização dos setores privatizados.
O caso mais claro é o das telecomunicações. O relatório de 1999 anotava que “com a privatização, surgiram significativas oportunidades de negócios que vêm demandando vultosos investimentos para desenvolver e modernizar a infraestrutura.” No ano seguinte, as empresas de telecomunicações receberam mais da metade dos R$ 8,7 bilhões destinados ao setor de infraestrutura.
Outro aspecto é que, ao longo do governo FHC, os maiores desembolsos, por empresa, estavam concentrados em bancos: Itaú, Unibanco e Bradesco, além do Banco do Brasil, refletindo a ideia de que caberia ao setor privado, e não ao BNDES, a expansão do crédito.
“Os bancos públicos na gestão FHC, embora não tenham sido privatizados, tiveram a gestão privatizada. O BNDES tinha virado quase um banco de investimento convencional, não era mais um banco de desenvolvimento. Essa é uma diferença fundamental, no sentido de financiar projetos que tenham valor estratégico”, indica Ricardo Carneiro, professor titular do Instituto de Economia da Unicamp.
Os projetos de valor estratégico são, por exemplo, os incluídos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Em 2008, metade dos projetos contratados junto ao setor de infraestrutura do BNDES pertenciam ao PAC.
Naquele mesmo ano, veio a crise financeira internacional. E então, na avaliação de especialistas, o BNDES foi um dos pilares do sistema público que garantiram que a crise, por aqui, fosse mais amena que em outras partes. “O papel do BNDES foi na direção inversa do que iriam outras instituições numa situação como aquela. O que cumpre a um banco de fomento é evitar que haja escassez de fundos, mantendo um certo nível de atividade da economia”, defende Prado, da UFRJ.
Outros caminhos
O caminho poderia ter sido outro. Documento revelado em abril deste ano pela CUT indica que, em 1999, o BNDES, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal passariam por um estudo para “possíveis alienações de participações nessas instituições, fusões, vendas de componentes estratégicos ou transformações em agências de desenvolvimento ou em bancos de segunda linha”.
Carlos Lessa, que presidiu o banco no começo do governo Lula, afirmou em entrevista recente ao portal Terra Magazine que, assim que chegou ao BNDES “queriam convertê-lo em banco de investimento, para depois dizerem: não precisamos de um banco de investimento. Expliquei tudo isso a Lula. Tanto que Lula me deu uma carta branca. Demiti todos os quadros, não sobrou um. Fiz logo uma hecatombe! Demiti cento e tantos”, relatou ao repórter Claudio Leal.
O resultado foi que, em julho de 2009, o Estado pôde criar dentro do banco o Programa de Sustentação do Investimento (PSI), instrumento anticrise responsável por boa parte do desembolso recorde de recursos. Até julho deste ano, o PSI tinha uma carteira de R$ 82,4 bilhões, 70% destinados à aquisição de máquinas e de equipamentos.
“Do ponto de vista da sociedade civil é importante para reafirmar o caráter público do Estado. Defendemos o caráter estatal e público do BNDES, até porque há a perspectiva de transferir recursos públicos para os bancos privados”, pondera João Roberto Lopes Pinto, coordenador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), uma das entidades que integram a Plataforma BNDES, que analisa o papel do banco e apresenta propostas com vistas à melhoria de seu desempenho.
Um dos pedidos é por mais transparência na concessão dos financiamentos e pela maior distribuição dos recursos entre setores produtivos e empresas de menor porte.
“Há um discurso da necessidade de concentrar recursos nesses setores para ganhar projeção internacional. Essa é uma profecia que se autorrealiza, vira uma coisa inevitável: precisa de ganhos cada vez maiores para poder competir. Mas isso não é garantia de nada porque o BNDES financia tanto empresas nacionais quanto estrangeiras” (leia aqui a entrevista na íntegra).
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