Artistas lançam manifesto pelo impeachment de Bolsonaro
Eles estão acostumados a levar entretenimento ao Brasil. Nas telas, palcos, museus e até na rua, para rir, chorar, curtir um som ou apenas passar o tempo. Desta vez foi diferente. Vieram para fazer um chamamento de luta contra o desastre que se abateu no país após a eleição de Jair Bolsonaro. A arma é o manifesto Artistas Pelo Impeachment, um abaixo-assinado apresentado à sociedade em uma live realizada na noite desta segunda-feira (10). O documento, lançado por mais de 2,5 mil artistas de todas as áreas da cultura no país, é aberto a todos: basta acessá-lo e preencher alguns poucos campos para atender à convocação.
O DJ Eugênio Lima foi o mestre de cerimônias e comandou a turma. A atriz Georgette Fadel entrou com a missão de ler o manifesto. Logo depois, um minuto de silêncio em homenagem aos mais de 420 mil mortos, vítimas não apenas da pandemia da covid-19, mas também de um governo que tanto fez pouco caso do crise, quanto contribuiu para que ela fosse ainda pior. A necropolítica de Bolsonaro foi lembrada o tempo todo durante as duas horas de apresentação.
Lido o manifesto Artistas Pelo Impeachment e feita a solene homenagem, Renata Carvalho foi a primeira a aparecer. Começou certeira: “Que bom que vamos começar com uma travesti. Estamos aqui por Paulo Gustavo, por todas as mães que perderam seus filhos e filhas”. Além da pandemia, ela lembrou das vítimas de chacinas e dos intermináveis escândalos envolvendo a família Bolsonaro: rachadinhas, Queiroz, cheques para a Michelle Bolsonaro, mulher do presidente, compra de deputados em alusão ao Bolsolão, crimes ambientais, mansão de R$ 6 milhões de Flávio Bolsonaro e por aí foi. “Quem mandou matar Marielle Franco e Anderson?”. Ela terminou com palavras de ordem: “Ele não, Ele nunca, impeachment já!”
Edgard Scandurra, icônico guitarrista da não menos icônica banda Ira!, lembrou que “há coisa de muitos anos apareceu um homem na televisão falando que a ditadura matou muito pouca gente, deveria ter matado mais. Depois essa pessoa foi extremamente ofensiva com os quilombolas, faz piada com as pessoas que precisam de oxigênio. Ele imita, achando que está sendo engraçado, a pessoa sufocada. Essa mesma pessoa autoriza o desmatamento de maneira indiscriminada, de uma maneira como nunca antes foi feito. Essa pessoa provoca um grande parceiro nosso que é a China, criando teorias de conspiração e uma crise internacional perigosíssima. Essa pessoa é o presidente do Brasil, talvez um dos piores seres humanos aqui deste país. Temos mais de cem pedidos no Congresso pelo impeachment desse senhor, que eu não digo o nome”.
Emoção, riso e tristeza
Talvez a fala mais emocionada tenha vindo do ator, autor e diretor Marcello Airoldi. Lembrou uma experiência própria para passar o recado. “Tem uma sala no museu do holocausto, que quando você entra, já se encontra com milhares e milhares de velas acesas. Por espelhos, vê uma sequência de velas infinitas. E cada uma dessas chamas representa uma criança que foi morta na segunda guerra mundial pelos nazistas. E a medida que você caminha, ouve o nome das mais de um milhão de crianças que foram assassinadas pelo nazismo. Você ouve o nome e vê a luz que cada pessoa representava. Nós precisamos pensar que tipo de memorial nós queremos para o nosso país. Será que a gente consegue se imaginar ouvindo mais de 420 mil nomes?”
Ailton Graça, famoso por interpretar personagens bem-humorados, citou um trecho da obra O Nome da Rosa, de Umberto Eco, para dizer que é preciso enfrentar Bolsonaro com o riso, com a arte, não se render à tristeza que ele tenta impor. “Quando o abade cego pergunta ao investigador William de Baskerville: ‘o que você realmente deseja?’ Baskerville responde: ‘Eu quero o livro grego, aquele que, segundo vocês, nunca foi escrito. Um livro que trata de comédia, que você odeia tanto quanto o riso. É provavelmente a única cópia preservada de um livro de comédia de Aristóteles. Existem muitos livros que tratam de comédia, porque esse livro é precisamente tão perigoso?’ O abade responde: ‘porque é de Aristóteles e vai fazer rir’. Baskerville pergunta: ‘o que é perturbador no fato de os homens poderem rir?’ O abada responde: ‘o riso mata o medo e sem medo não pode haver fé. Quem não teme o diabo, não precisa de Deus’”.
Matheus Nachtergaele, de tantos papéis emblemáticos no cinema e no teatro, começou usando o espaço para “declarar meu amor pelo Brasil, principalmente o Brasil que a gente vinha construindo com bastante alegria há uns vinte e tantos anos”, disse, antes de chamar de “suicida” o voto vencedor das eleições de 2018. “Eu percebo ao meu redor uma grande tristeza e uma grande insatisfação, que acontece muito antes de a pandemia chegar.” A seguir, mostrou otimismo. “Não vamos abandonar o sonho. O Brasil pode ser um lugar que vai ensinar a novidade para o futuro. Ainda pode ser. Mas se esse governo continuar, talvez não consiga mais. A devastação é muito grande”. Ele reforçou que que o manifesto Artistas Pelo Impeachment parte dos artistas, mas é um chamado para todos. “Quando mais assinaturas a gente conseguir, mais a gente vai ser ouvido.”
‘Barrar a nossa própria morte’
A jornalista Eliane Brum deixou um vídeo gravado com uma mensagem forte, encerrada com uma frase que foi lembrada por muitos que a sucederam na live: “Precisamos ser capazes de barrar a nossa própria morte”. A fala dela foi imponente do início ao fim. “Como um povo que se acostumou a morrer e se acostumou a assistir a outros morrerem, será capaz de barrar o seu próprio genocídio? A resposta que daremos é a mais importante da nossa geração”, disse. “Livros e filmes vão contar que um homem, chamado Jair Bolsonaro, executou um plano de disseminação do vírus para promover o que chamam de imunidade de rebanho. Esse extermínio já aconteceu e já matou quase meio milhão de pessoas”, acrescentou. “Se não formos capazes de barrar Bolsonaro, se barrar Bolsonaro não se tornar causa comum, em breve teremos que viver com a cabeça baixa”.
Projeto de continuidade
Já o ator Marco Ricca apareceu na cena dando um salve a todos e todas, e entrou de sola chamando a atenção para “a necessidade de tirar esse processo que está acontecendo. Há um método, sim. Não é coisa de um louquinho. Isso tem um projeto de poder que tá sendo passado diariamente. Temos que acabar com isso, porque está matando gente, matando a esperança do brasileiro, matando o futuro da nossa nação. Venho aqui apenas pedir que a gente consiga fazer as assinaturas necessárias para essa petição para forçar esse Congresso a colocar na pauta o processo de impeachment desse assassino e sua corja. É isso que precisamos. Eles são assassinos e temos que derrubá-lo. A luta é dura, mas ela é boa”.
O método visto por ele também foi notado por Denise Fraga. “Eu tenho me perguntado muito porque a gente tem aguentando tanto. O que está acontecendo com a gente?”, começou. “É tristeza”, respondeu. “É tomar na cabeça todo dia. E tem um projeto de continuidade, de um absurdo por dia. E não é conta-gotas, é pedrada, e vai nos abatendo. Então eu vou usar uma expressão muito boa que o Paulo (Betti) usou. Vamos ousar lutar? Ousar vencer? Mas para isso a gente precisa usar uma coisa que eles têm, que é continuidade”, disse.
Ela seguiu: “Esse homem está cometendo um crime de responsabilidade por dia. Ele é um criminoso desde a campanha, podia ser preso. Na nossa Constituição tem coisas para isso, porque não estão usando? Porque a gente precisa pressionar como população e falar do nosso desgosto. Eu estou sendo desrespeitada todo dia e não posso minguar, ficar em casa chorando. Eu convoco vocês”, acrescentou. “Eu preciso lutar pela minha sanidade. A questão do impeachment é por nós. Estamos afrontados, desrespeitados.”
Frases, convocações, rituais
E muitos outros se manifestaram: Ivan Lins, GOG, Sandra Nanayna, Elisa Lucinda, Malu Gali, Luis Miranda, Maria Bopp, Paulo Betti, Anna Muylaert, o ambientalista Ailton Krenak, Dira Paes. Todos, à sua maneira, foram expressando revolta, cobrando ações do Congresso Nacional e conclamando todos a participarem do manifesto Artistas Pelo Impeachment. “Peço apoio”, “divulguem”, “vamos nos unir”, “hora da raiva”, “hora de revolta”, “estamos numa guerra”, “não podemos nos acostumar com esse números”, “é muito grave o que estamos vivendo no país”, “desgoverno”, e, claro, “Fora Bolsonaro” e diversas palavras de apoio às vítimas da covid-19 no país.
Bolsonaro foi qualificado como “inominável”, “assassino”, “genocida”, “psicopata”, “ofensa pessoal”, “figura asquerosa”, “governo da morte”. O pintor Nuno Ramos resumiu: “Ele é a violência, aquilo que o político devia excluir”.
Avelin Buniacá Kambiwá, vestida com trajes típicos, reforçou a necessidade de a voz indígena ser ouvida. “Estamos sendo alvo desse genocida desde a campanha eleitoral quando ele disse que não ia ter mais um centímetro de terra indígena”. Em um pequeno ritual, com um canto forte, pediu força e coragem aos brasileiros. Preta Ferreira protestou: “Aos ricos, vacina, aos pobres, chacina”. Zeca Baleiro cantou uma canção.
Brincadeira tem hora
Teve também Emicida explicando porque é “completamente e radicalmente contra a gestão genocida de Jair Bolsonaro”. E, por isso, a favor de seu afastamento. “O estado de pesadelo contínuo que o Brasil entrou nos últimos anos faz com que a população implore por alguma humanidade de seus governantes. Esse é o tamanho da tragédia a qual todos nós estamos submersos. Por isso, e por uma série de outros fatores, que não são poucos, eu sou completamente e radicalmente contra a gestão genocida de Jair Bolsonaro. E por isso sou a favor de seu afastamento”.
O show dos artistas foi encerrado, com muito poder, por Lucas Afonso e sua poesia da quebrada matadora Brincadeira tem hora, que ganhou as redes. Para assinar o manifesto basta clicar aqui.