Agenda de Bolsonaro é a de Temer radicalizada, diz Haddad
O ex-candidato à Presidência pelo PT, Fernando Haddad, explica em sua primeira entrevista concedida após o final do segundo turno, que o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) carrega a agenda econômica de Michel Temer, mas de maneira mais radicalizada.
Ao jornal Folha de S.Paulo, o ex-prefeito da capital paulista diz que a futura agenda econômica, administrada por Paulo Guedes, não passa no teste da desigualdade, pois possui baixa capacidade de sustentação. Entretanto, ao se basear também em pautas obscurantistas, contra as artes e a escola laica, esse plano de governo pode se manter de pé por mais tempo. “Acoplada à agenda cultural regressiva, pode ter uma vida mais longa”, explica ele.
Haddad diz também que a elite econômica abriu mão de seu verniz, agora, com o objetivo de mostrar ao mundo sua verdadeira face: o neoliberalismo somado ao discurso truculento. Para ele, assim como Bolsonaro, o novo governador de São Paulo, João Dória, é a exemplificação dessa tendência. Ele conta, inclusive, que apostava no tucano como possível presidenciável a levar essa bandeira em 2018.
“Eu imaginava (há dois anos) que o (João) Doria, que é essencialmente o Bolsonaro, fosse ser essa figura (que se elegeria presidente). Achava que a elite econômica não abriria mão do verniz que sempre fez parte da história do Brasil. As classes dirigentes nunca quiseram parecer ao mundo o que de fato são.”
O petista acredita que a eleição do candidato de extrema-direita mostra que o país vive num sistema híbrido, em que o autoritarismo cresce dentro das instituições democráticas.
“Os golpes se davam de fora da democracia contra ela. Hoje, o viés antidemocrático pode se manifestar por dentro das instituições. Ele pode se manifestar na Polícia Militar, na Polícia Federal, no Judiciário, no Ministério Público. Quando um presidente eleito vem a público num vídeo dizer que os estudantes brasileiros têm que filmar os seus professores e denunciá-los, você está em uma democracia ou em uma ditadura?”, indaga ele.
Segundo Haddad, um dos fatores que justificaria esse fortalecimento do discurso autoritário dentro do âmbito da democracia seria a crise econômica de 2008, provocada pelo neoliberalismo, e que resultou na eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, em 2018.
“Está havendo, portanto, um quiproquó: os EUA negam o neoliberalismo enquanto não nos resta outra alternativa a não ser adotá-lo. A crise mundial acarretou a desaceleração do crescimento latino-americano e a consequente crise fiscal. No continente todo houve a ascensão de governos de direita — no caso do Brasil, de extrema direita”, acrescenta ele.
Construção de uma frente democrática
Apesar de Haddad afirmar que não pretende dirigir o PT nem sua fundação, ele quer militar para ajudar a formação da oposição. Segundo ele, todas as legendas democráticas devem abrir conversa e seria necessário trabalhar para a formação de duas frentes de atuação política: uma de defesa de direitos sociais, em torno de demandas como a proteção do Sistema Único de Saúde (SUS), investimento em educação e proteção dos mais pobres; e outra outra a favor dos direitos civis, envolvendo a defesa da escola laica e questões ambientais.
Apesar de o PT não ter a hegemonia da esquerda, o ex-prefeito acredita na força do partido, mesmo após a derrota presidencial, para ajudar na formação dessa oposição. “O PT é um player no sentido pleno da palavra. É um jogador de alta patente, que sabe fazer política. Sabe entrar em campo e defender o seu legado”, afirma.
Vitória de Lula
Uma das certezas de Haddad é que se Luiz Inácio Lula da Silva fosse o candidato do PT nas eleições de 2018, ele sairia vencedor. “Está claríssimo que, se não tivessem condenado o Lula num processo frágil, que nenhum jurista sério reconhece como robusto, ele teria ganhado a eleição. Ele teria feito mais de 50% (dos votos no segundo turno).”
Ele também revela que o momento pós-eleição está difícil para o ex-presidente, mas acredita em sua capacidade de recuperação. “Já superou um câncer, a perda da esposa, a privação de liberdade”, finaliza.