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Postado em: 07/03/2018 - 11h16

Mundo do trabalho: três anos de perdas e retrocessos para as mulheres

A crise alterou a condição de vida da maioria da população brasileira, promovendo grande retrocesso econômico e social. Entre os anos de 2015 e 2016, o PIB (Produto Interno Bruto) registrou queda de 7,5%[i] com forte impacto nos indicadores de mercado de trabalho, no primeiro trimestre de 2017. Conforme dados da PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), a desocupação no Brasil atingiu recorde com 14,1 milhões de pessoas sem emprego. Desse total, as mulheres representavam 50,6% e as mulheres negras, 63,2%.

Esses últimos três anos contrastam com o ciclo de prosperidade econômica que se estendeu de 2003 a 2014 e foi acompanhado de uma importante dinamização do mercado de trabalho, com efeitos positivos sobre os estratos mais pobres da população e os assalariados em geral. Dentre os diferentes avanços dessa etapa de crescimento econômico com inclusão social, o aumento do emprego formal, ao lado da elevação dos salários reais, e a redução da pobreza estão entre as mais importantes conquistas do período.

Com a crise, mais mulheres saíram em busca de emprego

Entre 2014 e 2017, 4ºT (quarto trimestre), ingressaram na PEA (população economicamente ativa) em torno de 3,151 milhões de mulheres e 95% eram negras[ii]. Um dos efeitos da crise é ampliar a PEA sem, contudo, incorporá-la no mercado de trabalho, pela ausência de oportunidades de trabalho. A maior parte dessas mulheres se tornaram desempregadas, uma vez que entre o 4ºT de 2014 e o 4ºT de 2017, em três anos, o saldo foi de apenas 270.897 postos de trabalho e foram as mulheres negras as responsáveis por esse resultado: 1.075.674 postos de trabalho criados entre as mulheres negras e queda de 804.777 entre as mulheres brancas, resultando nesse saldo indicado acima. Ou seja, entre 2014 e 2017, ingressaram 3,151 milhões de mulheres no mercado de trabalho e apenas 270.897 encontraram ocupação. As demais mulheres que não encontraram ocupação se somaram às que já se encontravam desempregadas, elevando as taxas de desemprego.

Taxa de ocupação cresce entre as mulheres negras

Na comparação entre 2014 e 2017 (4ºT), os dados sugerem que a população ocupada reduziu para todos, exceto para as mulheres negras. Entre os homens brancos caiu 3,7%; entre os homens negros caiu 0,8%; entre as mulheres brancas caiu 4,1%; e entre as mulheres negras cresceu 5,4%. É importante ressalvar que, no caso das mulheres negras, a recuperação do emprego entre as ocupadas ocorreu nos últimos três trimestres de 2017 e está associada à qualidade do emprego gerado, de que trataremos mais adiante. Há dois comportamentos distintos para o período: a ocupação evoluiu de 2012 a 2014 para todos, exceto para os homens brancos, em queda desde o início da série analisada. A partir de 2015 caiu a ocupação, voltando a crescer no último ano, e o destaque são as mulheres negras; entre 2016 e 2017 a ocupação cresceu em 1,811 postos de trabalho e as mulheres negras responderam por 64% dessa ocupação (1,161 milhões).

Taxa de desocupação continua superior entre as mulheres

As taxas de desocupação também seguem mais desfavoráveis às mulheres. Entre os anos de 2012 e 2017, o menor percentual de mulheres desempregadas foi registrado em 2014, com a taxa de 6,2% para as mulheres brancas e 9,2% para as mulheres negras, mesmo assim superior às taxas masculinas. No 1ºT de 2017, a taxa alcançou seu maior percentual quando evoluiu para 12,4% para as mulheres brancas e 18,9% para as mulheres negras. Entre 2014 e 2017 (4ºT), o desemprego entre as mulheres brancas cresceu 73% e entre as mulheres negras praticamente dobrou, 96%. O desemprego no Brasil tem cor/raça e sexo. Dos 12,2 milhões de desempregados no último trimestre de 2017, praticamente dois terços, ou seja, 64%, eram negros (homens e mulheres). Quando se compara os sexos, 50,6% são mulheres e entre as mulheres 64% são negras.

A informalidade é maior entre as mulheres

A informalidade[iii] se manteve em todo o período para ambos os sexos. A elevação ocorreu justamente no ano de 2017, em que o emprego deu sinais de leve recuperação, colaborando com a tese de que o emprego que foi gerado nesse ano era essencialmente informal. O trabalho informal cresceu entre os mais jovens e as pessoas acima de 60 anos, com grau de instrução fundamental, e nos setores da construção civil, serviços e indústria. Na comparação entre o 4ºT de 2014 e 2017, o trabalho formal entre os homens brancos caiu (-11,9%) e o informal cresceu (+5,7%); entre os homens negros o formal caiu (-7,1%) e o informal cresceu (+3,9%). Entre as mulheres brancas o trabalho formal caiu (-9,7%) e o emprego informal cresceu de forma menos intensa do que para os demais (+2,8%); já entre as mulheres negras o emprego formal cresceu levemente (+0,1%), entretanto, o emprego informal foi o que mais cresceu (+9,9%). Em três anos (2014-2017) foram gerados 88.344 postos de trabalho para as mulheres, excluindo desse dado as empregadoras, porém, a informalidade cresceu; foram +1.182.097 postos de trabalho informais e o emprego formal caiu (-1.093.753), isso significa que ocorreu um deslocamento do trabalho formal para o informal nesses três anos de forma bastante significativa.

Do total de empregos informais criados, 82% foram ocupados por mulheres negras. Com relação à posição na ocupação, o que se destaca no período analisado (2014-2017) é a queda do emprego com carteira, especialmente para as mulheres brancas (-11,3%), para as mulheres negras a queda foi menor (-0,4%). O emprego com registro perdeu posição diante das demais modalidades de contratação: de 39,8% para 36,8% entre as brancas e de 32,2% para 30,5% entre as mulheres negras. Por outro lado, incrementou o emprego sem carteira, +4,4% para as mulheres negras e caiu para as mulheres brancas (-1,1%). Houve queda do emprego doméstico com carteira para negras e brancas, crescimento do emprego doméstico sem registro para as mulheres negras (+11,7%) e o trabalho por conta própria teve um crescimento bastante expressivo, tanto para as mulheres negras quanto para as mulheres brancas, 17,6% e 10,0%, nessa ordem. Um dado que se destaca pela sua relevância é a expansão das empregadoras, os dados das MEIs[iv] (microempreendedoras individuais) indicam que essa modalidade cresceu 82,5% entre 2013 e 2017. A expansão do emprego entre as mulheres negras ocorreu em três posições: conta própria, empregadoras e emprego doméstico sem carteira, enquanto entre as brancas ocorreu entre as trabalhadoras por conta própria e as empregadoras.

O setor de serviços foi a atividade econômica que mais gerou postos de trabalho entre 2014 e 2017 (4ºT), exceto para as mulheres brancas, cujo emprego caiu. O segmento é responsável pela geração de 1,186 mil postos de trabalho entre as mulheres negras. Os segmentos que mais contribuíram para esse resultado foram: alojamento e alimentação; outros serviços, serviços domésticos e educação, saúde humana e serviços sociais.

As mulheres brancas reduziram sua presença desde o 4ºT de 2014 nas atividades ligadas à agricultura; indústria geral; informação, comunicação e atividade financeira; administração pública e ampliaram em educação, saúde humana e serviços sociais; alojamento e alimentação. Mais de 50% das mulheres estão concentradas em três segmentos (comércio; atividades financeiras; educação, saúde humana e serviços sociais). Entre as mulheres negras o emprego caiu para as atividades agrícolas; indústria geral e administração pública. Para as demais ocorreu crescimento com predominância nos serviços domésticos; educação, saúde e serviços sociais; comércio e reparação, perfazendo, para esses três segmentos, 55,8%.

Os rendimentos continuam menores entre as mulheres e os negros

Os diferenciais de rendimento entre os sexos praticamente se mantiveram, de 75,5% para 75,6% entre 2014 e 2017. O contraste racial no mercado de trabalho se estende, também, à remuneração. Segundo o IBGE, as mulheres negras recebiam, em média, 43,1% do rendimento dos homens brancos no 4ºT de 2017, que era de R$ 3.090. Essa realidade praticamente não se alterou, em 2012, para o mesmo período, a diferença era de 41,5%.

Os rendimentos medidos em salário mínimos entre os dois períodos analisados (2014-2017) indicam a concentração das pessoas ocupadas nas faixas até dois salários mínimos; 46,4% das mulheres negras recebiam um salário mínimo em 2014 e praticamente mantiveram o mesmo percentual (46,8%) para 2017, ampliando na faixa de até meio salário mínimo. Da mesma forma se sucede com as mulheres brancas, de 25,4% para 26,1%, ampliando a primeira faixa. Com os homens ocorreu o mesmo fenômeno, com ampliação para a faixa de até meio salário mínimo. Entre 2014 e 2017 (4ºT), a faixa que corresponde até meio salário mínimo cresceu 20% para as mulheres negras; 5,3% para as mulheres brancas; 20,4% para os homens negros e 5,5% para os homens brancos. No último trimestre de 2017, havia 9.197.157 pessoas ocupadas recebendo até meio salário mínimo e desse total 53% eram mulheres e as mulheres negras correspondiam a 38% do total.



[i] Para 2017 as projeções indicam que o crescimento não ultrapassará 1%.

[ii] Neste texto, segue-se o padrão das análises realizadas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), utilizando-se a classificação negros(as) resultante da somatória de dados referentes a pretos e pardos.

[iii] Os informais são: empregados sem carteira, trabalhadores domésticos sem carteira, trabalhadores por conta própria e trabalhadores familiares auxiliares.

[iv] Em 2017 havia 3,438.650 mulheres na condição de MEI.

 

Marilane Teixeira é economista, pesquisadora e assessora sindical na área de relações de trabalho e gênero