Inflação em baixa não é sentida pela classe trabalhadora
As categorias em campanha salarial neste segundo semestre foram surpreendidas com os resultados da inflação em queda. Para aquelas com data-base em 1º de novembro, o índice medido pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) foi de 1,83% em 12 meses, enquanto que em 1º de novembro de 2016 o índice acumulado tinha sido de 8,5%. A primeira sensação diante do reajuste é a de que alguma coisa não está certa, as pessoas não concordam que os preços estejam em queda e algumas até questionam os índices.
Primeiramente é importante entender como o índice é composto: ele reflete o orçamento de famílias que recebem até 5 salários mínimos (até R$ 4.685), portanto, nesse universo está a absoluta maioria das pessoas que vivem de salários. A partir de pesquisas se constrói uma estrutura de orçamento e gastos. Os resultados indicam que os gastos com alimentação e bebida representam em torno de 30,3% do orçamento (um terço); os outros 69,7% estão distribuídos entre os seguintes itens: transportes (15,7%); habilitação (17,8%); saúde e serviços pessoais (10,1%); despesas pessoais (7,5%); vestuário (7,2%); comunicação (3,2%); educação (3,1%); e artigos de residência (4,8%), totalizando 100%. Portanto, o comportamento dos preços dos alimentos tem influência direta sobre a variação do índice, acompanhado por habitação e transportes; os três itens representam mais de dois terços do orçamento das famílias, entretanto, quanto menor o salário, mais comprometido o orçamento estará com os itens básicos, como alimentos.
O que vem acontecendo é uma conjunção de fatores: a crise econômica e as políticas de austeridade fiscal derrubaram a economia desde 2015, gerando um desemprego que atinge mais de 13 milhões de pessoas. Sem produção e emprego, os agentes econômicos (indústria, comércio e serviços) se retraem, contendo os repasses para os preços; se não há mercado para consumir seus produtos, o ato de remarcar preços inibirá ainda mais o consumo. Por outro lado, estamos em um ano excepcionalmente positivo para a safra agrícola, fazendo com que os preços dos alimentos despencassem (-2,8%) nos últimos 12 meses – quando se analisa por itens, alguns preços caíram mais de 50%. A queda dos preços dos produtos agrícolas no mercado internacional, em decorrência da própria crise internacional, também afeta o preço dos alimentos, contribuindo para a sua redução.
Por que é tão difícil sentir esses efeitos em nosso dia a dia? Embora o preço dos alimentos tenha um grande impacto em nosso orçamento e seja o principal responsável pela queda da inflação, outros itens, como transporte, vestuário, saúde, comunicação e educação, evoluíram positivamente. Em nosso orçamento também incorporamos itens que muitas vezes não são captados pelos índices oficiais. A sociedade capitalista produz a cada dia uma infinidade de serviços, mercadorias e produtos, assim, somos sugestionados ao consumo e na maioria das vezes são itens que sequer são captados nas estatísticas de preços.
Por outro lado, um item com grande impacto sobre o conjunto da economia é o aumento dos preços de combustíveis e de energia. No caso da energia residencial, o reajuste da tarifa foi de 5,9%, o que representa 3 vezes o índice da inflação acumulada (1,83%), entretanto, o seu peso no item é de 4%.
Da mesma forma, o gás de cozinha teve reajuste de 12,1%, representando 6 vezes a inflação acumulada, mas o peso é de 1,9% no orçamento. No entanto, para uma família que vive de um salário mínimo (R$ 937), o peso do botijão de gás representa na realidade 6,6% do orçamento, ou seja, quanto menor o salário, maior será o peso desses itens básicos no orçamento das famílias, por isso, a sensação de que o índice não reflete a realidade dos preços é real.
O movimento sindical tem uma luta antiga em defesa do ICV/Dieese (Índice do Custo de Vida, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) como a melhor medida para apurar a realidade do reajuste dos preços para as famílias com menor poder aquisitivo. Na comparação com o INPC, o ICV/Dieese apurou para o município de São Paulo uma inflação acumulada de 2,4% entre novembro de 2016 e outubro de 2017. Portanto, muito mais próxima da realidade de milhões de pessoas que vivem de salários.