PM usa força para manter professores longe do Palácio dos Bandeirantes
A assembleia dos professores da rede pública estadual de São Paulo terminou, nesta sexta-feira (26), com confronto entre policiais e docentes e feridos dos dois lados. Antes do conflito, Secretários do governador José Serra (PSDB-SP) receberam uma comissão de professores para anunciar que não há negociação, enquanto houver greve. Os professores prometem aumentar a mobilização após o que consideraram “mais uma prova de intransigência e truculência do governador”.
Apesar da chuva intermitente, cerca de 45 mil professores, de acordo com o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), compareceram à terceira assembleia da categoria, desde que a paralisação das atividades teve início em 8 de março.
Marcada para 15 horas, a manifestação começou com atraso e em clima de tensão, com a presença de 300 policiais do 16º Batalhão, além de reforço da Tropa de Choque, Força Tática e Cavalaria da Polícia Militar, nas áreas próximas ao estádio Cícero Pompeu de Toledo, no Morumbi, onde foi realizada a assembleia.
A concentração dos professores estava prevista para acontecer na praça Vinicius de Moraes, mas foi vetada pela Polícia Militar, afirmou Fabio de Moraes, secretário-geral da Apeoesp. Ônibus de outras cidades teriam sido alvo de bloqueios da polícia dentro e fora da capital, indicou Moraes. A assessoria de imprensa da PM nega que haja “revistas” demoradas nos ônibus com manifestantes.
Por volta de 17 horas, o primeiro conflito entre policiais e professores começou quando parte dos manifestantes se deslocou da concentração, em frente ao estádio, para seguir em passeata pela avenida Giovanni Gronchi, numa tentativa de apoiar a comissão de negociação que estava no Palácio dos Bandeirantes. Outro grupo de professores permaneceu em frente ao estádio para aguardar o resultado da reunião junto ao caminhão de som que anunciava os avanços ou retrocessos nas negociações. Quem tentou caminhar até a sede do governo foi impedido com bombas de gás pimenta e tiros de borracha.
Segundo a professora Gláucia Moraes, enquanto professores e estudantes gritavam palavras de ordem pedindo passagem até o palácio, a polícia procurou aumentar a área de isolamento e empurrou os professores, iniciando o conflito. “Cantava-se palavras de ordem e de repente só vimos bombas e entramos em desespero”, descreve Gláucia. A aposentada Terezinha Moraes também estava junto ao cordão de isolamento da polícia e lamenta a violência desmedida contra os professores. “Comecei em 1967 a dar aula, sempre participei de greve, mas essa é a primeira vez que vejo e sou alvo de uma brutalidade como essas”, salienta. “Antigamente, os policiais levavam até cães para as manifestações, mas chegávamos até o palácio sem sofrer nada”, condenou Terezinha.
Outros manifestantes descreveram a ação de estudantes que ao tentarem ultrapassar a barreira teriam sido impedidos pela polícia com violência. “A primeira fileira do cordão de isolamento dos policiais se abriu e a tropa de choque veio atrás com bombas”, descreveu um professor em estado de choque.
A Polícia Militar, por meio de nota, diz que alguns manifestantes atiraram rojões, paus e pedras na direção dos policiais militares. Até as 18h55, havia nove manifestantes feridos e sete policiais.
Ao correr das bombas de efeito moral, alguns professores desmaiaram ou passaram mal com sangramento no nariz, ardência nos olhos e na garganta. Jornalistas e fotógrafos também foram atingidos.
Novo confronto voltou a acontecer, quando o caminhão de som da Apeoesp se aproximou do isolamento imposto pela PM, na tentativa de negociar com os policiais e evitar novo conflito. “Pelo amor de Deus professores, fiquem atrás do caminhão”, pediam os diretores da Apeoesp. “Estamos desarmados, só temos o corpo e sabemos que vem bala de borracha aí”, insistia o sindicato.
“A manifestação é a demonstração do desejo dos professores de resolver a questão. Mas o confronto acentua o caráter autoritário do governador”, lamentou a presidente da Apeoesp, Maria Izabel Azevedo Noronha, a Bebel.
Para o deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL) o confronto foi uma covardia. “Esse governo intransigente deixou um rastro de destruição. Na segunda-feira vamos tomar providências e acionar o Ministério Público.”
Uma comissão de Deputados procurou negociar com a polícia a passagem dos manifestantes e a paralisação dos conflitos, mas segundo o vereador Jamil Murad (PCdoB-SP), o coronel responsável pela ação foi categórico ao afirmar que iria impedir qualquer tentativa de aproximação da sede do governo.
Novas bombas obrigaram os professores a correr e causaram novos momentos de desespero. Os manifestantes retornaram à frente do estádio do Morumbi. Com a testa machucada por estilhaços de bomba, Carlos Ramiro, vice-presidente da CUT-SP e diretor da Apeoesp, criticou a ação da PM. “Estamos o tempo todo trabalhando por uma manifestação pacífica, mas a PM age inesperadamente e causa um confronto desses”, diz.
Os professores encerraram a assembleia em meio a vaias ao helicóptero da PM que sobrevoava o local e com denúncias de que policiais infiltrados na manifestação estariam provocando os professores e criando conflitos.
A PM calcula que cinco mil manifestantes estiveram no local. O governador José Serra não estava na capital paulista. Cumpria agenda de inaugurações pelo interior. Em Franca, foi recebido com um protesto de professores.
Na quarta-feira (31), os professores realizam nova assembleia na avenida Paulista, às 14 horas.
Antes, às 12 horas, o funcionalismo público estadual reúne-se na Praça do Patriarca para um “bota-fora” do governador José Serra, que deixa o cargo para concorrer às eleições presidenciais. Os funcionários públicos prometem realizar um grande almoço com o tíquete-alimentação de R$ 4.
Apesar da chuva
Pouco antes do início da manifestação, as caravanas de professores já enfrentavam uma forte chuva de granizo que atingiu a região sul da cidade.
Capas de chuva e guardas-chuvas tornaram-se itens essenciais para a assembleia. “Vale a pena andar 6 horas e aguentar chuva”, comentou Francisco, de Ourinhos, professor há 26 anos. “Tem de ser assim, já que tudo aumenta e nosso salário está sempre para trás”, dispara.
Alunos
Com participação cada vez mais intensa nas manifestações, alunos ouvidos pela reportagem criticaram o material didático distribuído pelo governo do estado. “Os materiais estão cheios de erros, como já ficou conhecida a história de dois Paraguais no mapa”, alegam.
“Muitas vezes, nem temos aula, porque não tem professor para várias matérias”, diz Gabriel, aluno do ensino médio da capital paulista. Giovana reclama que a falta de professor de química, por um ano, vai obrigá-la a fazer cursinho pré-vestibular. “Quero tentar universidade pública, mas não dá depois de um ano sem professor”, garante.
Surreal
Outra reclamação é a pressão que os docentes, principalmente da categoria “O”, sofrem para não paralisarem as atividades. “Ninguém ‘tá’ satisfeito, mas perto de 20% que são os [da categoria] “O” têm medo porque só podem ter duas faltas”, reflete Francisco.
Rodrigo, professor da capital paulista, conta que apesar de alguns professores de sua escola não aderirem à greve, participaram de um abaixo-assinado denunciando as más-condições de trabalho. “O descontentamento é unânime, mas as pessoas têm medo”, considera.
“Não é só salário, é por falta de condições materiais de dar aula”, enfatiza Ivania, há oito anos em sala de aula. “Este ano começamos o ano com 54 alunos por sala de aula, quando não há cadeiras, sentam dois alunos por cadeira”, denuncia.
“Ouvir o governador falar de dois professores por sala de aula é surreal”, ironiza Roberta, professora há 8 anos na rede pública. “Quando chove alaga a escola, quando faz sol não dá para dar aula, porque vira um forno”, comenta.
Bônus
Acompanhada do filho de 15 anos, a professora Margarida de Capão Redondo, bairro da zona sul de São Paulo, veste uma fantasia improvisada com “TNT” (tecido não tecido) com cartazes em todo o corpo convidando jornais a noticiarem “Veja o que deu para comprar com o bônus”. Com 21 anos no ensino público, a professora mostra o demonstrativo de pagamento à reportagem. “Veja só: eu ganho R$ 1.800 com a carga máxima, mas o governador diz que eu ganho R$ 3.270 e posso chegar a R$ 6.000”, acusa.
Ela ainda cita a labirintite causada pelo estresse do trabalho e o sofrimento do filho quando ela ficou afastada do trabalho. “Passamos fome juntos”.
Rei
José Milton, de Carapicuiba, conta com revolta o momento do confronto com a polícia. “Jogaram bombas para manter a distância do palácio”, cita. “O tal palácio é publico e o Serra não é rei”, acredita. “É lugar de construir políticas públicas”, reforça o docente ainda em choque.
As manifestantes Cislene e Márcia da capital paulista tentam fugir da correria e encostam no muro para não serem esmagadas durante a correria. “Que desespero, nunca vi tanta gente com medo”, detalha. “É uma humilhação muito grande ser tratada desse jeito”, assinala.
“Como pode tanta propaganda sobre educação e o governador fazer isso com os educadores”, desacredita.
Já é noite e os professores de Jacareí buscam notícia do colega socorrido pelo Corpo de Bombeiros. “Soubemos que ele levou dois tiros e foi internado no [hospital Albert] Einstein”, supõe Sueli Guedes. Outras professoras da cidade choram decepcionadas com o desfecho da assembleia.
A professora aposentada Terezinha Moraes procura a reportagem para entregar o demonstrativo de pagamento e insiste “leva com você”. “Veja quanto eu ganho, eles criam bônus, gratificações, mas quando a gente se aposenta, só fica o salário-base e daí vai viver como?”, questiona.
Ao final da manifestação, era possível ver no chão da avenida Giovanni Gronchi, sapatos e objetos perdidos, enquanto a prefeitura retirava as barricadas de concreto, utilizadas para evitar que os professores se aproximassem da sede do governo paulista.
Para mais informações acesse: http://www.redebrasilatual.com.br/temas/trabalho/professores-em-greve-em-sao-paulo-2010-2010-03-26