Eros Grau vota contra revisão da Lei de Anistia e STF retoma julgamento nesta quinta-feira
O Supremo Tribunal Federal (STF) vai retomar na tarde desta quinta-feira (29) o julgamento sobre a revisão da Lei de Anistia (6.683/79). Na primeira tarde de avaliação da arguição de descumprimento de preceito fundamental apresentada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pronunciaram-se as partes envolvidas, mas não houve tempo para que todos os ministros apresentassem seus votos.
A ação visa a abrir caminho para que torturadores possam ser processados e condenados. A iniciativa tem apoio de pelo menos outras 30 associações de magistrados e da sociedade civil.
Antes do julgamento em si, a pedido de Marco Aurélio Mello, os magistrados passaram a debater se era possível aceitar a ADPF 153, que tem como argumento que não se tratam de crimes políticos os atos cometidos por agentes do Estado, como tortura, sequestros, violência sexual e homicídios. A maioria dos ministros rejeitou as preliminares apresentadas por Procuradoria Geral da República, Advocacia Geral da União e Ministério da Defesa.
Com isso, o relator, Eros Grau, passou a expor seus argumentos. O ministro foi, ponto por ponto, rebatendo a proposição da OAB. O longo voto, de duas horas, pode ser o último grande julgamento de Grau, que sofrerá aposentadoria compulsória ao completar 70 anos, em agosto. A base da argumentação tomou em conta que o caráter da anistia é amplo, geral e irrestrito.
Além de referir-se a sucessivas anistias ocorridas no Brasil, o ministro tomou como exemplo a posição da OAB quando da discussão da lei 6.683, em 1979. Com elogios ao então relator pela Ordem, Sepúlveda Pertence, Grau apontou que se trata da “OAB de ontem contra a OAB de hoje”. Em mais de um momento, ele demonstrou irritação com o texto de Fábio Konder Comparato e Rafael Barbosa de Castilho.
Grau discorda do argumento de que o artigo 1º da Lei de Anistia é propositalmente obscuro com a finalidade de garantir proteção aos crimes comuns, afirmando que toda norma jurídica é obscura até que seja interpretada.
“O que caracteriza a anistia é sua objetividade. Liga-se a fatos, não estando direcionada a pessoas determinadas. A anistia é mesmo para ser concedida a pessoas indeterminadas. Não vejo, de outra parte, como se pode afirmar que a lei impede o acesso a informações atinentes aos agentes da repressão”, afirmou.
Em um dos momentos mais fortes, o ministro dedicou-se a rebater a argumentação da OAB de que a anistia foi um acordo aprovado por um Congresso submisso aos militares e sem ampla participação da sociedade. “Ignora o momento talvez mais importante da luta por redemocratização do país. A batalha pela democratização do país. Todo mundo que conhece nossa história sabe que esse acordo existiu”. Além disso, Grau considera que uma eventual revisão da anistia, se vier a ocorrer, cabe ao Legislativo, e não ao Judiciário.
Depois de seu voto, antes que fosse declarada a suspensão da sessão, dois ministros fizeram questão de tecer elogios a Grau. Pelo menos um deles, Gilmar Mendes, indicou que deve seguir o relator ao afirmar que a Lei de Anistia é um marco que, de certo modo, reuniu as condições para que posteriormente fosse elaborada a Constituição. O outro, Marco Aurélio Mello, que recentemente afirmou que a ditadura foi um mal necessário, não foi tão claro em sua exposição.
Opiniões divergentes
O primeiro a expor os argumentos foi o advogado Fábio Konder Comparato, que assina a ação apresentada pela OAB. O professor-titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo apresentou basicamente as mesmas ideias defendidas em seu texto, ou seja, de que é inconstitucional que a anistia proteja crimes cometidos pelo Estado.
Para ele, a questão é que a Constituição não pode abrigar uma lei anterior a ela que viole seus próprios preceitos. Com base nisso, o STF recentemente tomou decisão de derrubar a Lei de Imprensa, de 1987 – a Constituição é de 1988. “No Brasil, todos são iguais perante a lei, como proclama a Constituição, ou entre nós prevalece a sugestão do animal suíno de George Orwell, segundo o qual alguns são mais iguais do que outros?”, indagou, acrescentando que não espera que o STF ofereça o perdão, mas justiça.
A Advocacia-Geral da União manteve a posição pela improcedência da ação movida pela OAB. O advogado-geral Luís Inácio Adams considera que não procede a argumentação de que a abrangência da anistia é obscura: para ele, trata-se de um processo amplo e irrestrito que foi importante para a transição ao regime democrático.
Ele considera também que carece de fundamento jurídico a acusação de que a lei foi aprovada por um Congresso que não tinha legitimidade. Adams, na tentativa de convencer os ministros sobre a necessidade de não alterar o texto da anistia, fez questão de ressaltar que o Estado tem tomado, por outras vias, atitudes para acertar as contas com o passado. O advogado enumerou as buscas por desaparecidos da guerrilha do Araguaia e a promoção de reparação material para familiares de vítimas do regime, além da tentativa de se criar uma Comissão Nacional da Verdade.
Para Adams, deixar a Lei de Anistia como está não significa negar o passado. “É notória a repulsa de toda a sociedade aos acontecimentos aviltantes, de tortura moral e física, ocorridos no período da ditadura”, concluiu.
A Procuradoria Geral da República seguiu o mesmo caminho, apontando que revisar a Lei de Anistia é romper com um compromisso feito por toda a sociedade. O procurador Roberto Monteiro Gurgel dos Santos destacou todo o tempo o contexto histórico no qual se formulou a lei, inclusive com participação da OAB.
Gurgel leu trechos do relatório elaborado por Sepúlveda Pertence, à ocasião conselheiro da OAB, no qual se pontua a necessidade de um acordo para a transição serena à democracia.
“Não parece à Procuradoria Geral da República aceitável fazer uma leitura atemporal do ato impugnado atacando o mesmo contexto que conferiu legitimidade à Assembleia Nacional Constituinte”, argumentou.
Entidades
A ação desperta atenção de diversas entidades de representação da sociedade civil e de militares. Mostra disso é que há vários amicus curiae – instrumento jurídico que permite a participação de entidades interessadas em ações no STF – que acrescentaram argumentos à causa.
Pierpaolo Cruz Bottini, da Associação Juízes para a Democracia, reforçou a posição da OAB de que os crimes cometidos por agentes do Estado não têm qualquer ligação com crimes políticos. Bottini apontou que muitos foram os que se valeram da situação política como pretexto para cometer violações.
“A Associação não pede apenas em nome dos que sucumbiram ao regime, pede em nome de toda a sociedade brasileira, em nome das gerações futuras, em nome do Estado democrático de direito. Espera-se que essa decisão coloque um ponto final neste triste passado”, afirmou Bottini.
Helena de Souza Rocha, do Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil), destacou que vários países latino-americanos que passaram por ditaduras no mesmo período que o Brasil decidiram rever a validade da anistia.
Ela lembrou que o Estado brasileiro é signatário de acordos internacionais e integra a Organização dos Estados Americanos (OEA), que já pediu a declaração de nulidade desse tipo de legislação. “Esse tribunal tem a oportunidade de enfrentar uma questão diretamente relacionada com o modelo de democracia que buscamos construir no país”, ressaltou.
De fato, pode ser a OEA o caminho a ser adotado caso o STF rejeite a revisão da Lei de Anistia. Além disso, corre na Corte Interamericana de Justiça processo no qual o Estado brasileiro pode ser condenado, no próximo mês, por não tomar ações para fazer justiça com a ditadura.
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