Eleitor, telespectador
A partir de agora, mais do que eleitores, comandam o jogo os senhores telespectadores. Com o começo da temporada de debates e, a partir do dia 17, do horário eleitoral gratuito, a agenda televisiva passa a ditar as regras da campanha presidencial. Importante para Dilma Rousseff, do PT, que precisa consolidar-se como a candidata de Lula, e para Marina Silva, do PV, que aposta na grande exposição para crescer nas pesquisas, a televisão é considerada por especialistas como a única chance que o tucano José Serra tem de reverter um quadro que lhe é, a cada dia, mais desfavorável.
Em queda nas pesquisas, Serra terá de se equilibrar entre desconstruir a candidata petista e ao mesmo tempo não fazer ataques diretos à adversária e ao governo Lula, que tem batido sucessivos recordes de popularidade. Terá ainda de andar na corda bamba entre ser e não ser oposição, já que a adoção de uma postura mais agressiva pelo tucano e seu vice Índio da Costa, no último mês, tem sido apontada como uma das razões para uma perda mais sensível de eleitores no Nordeste e no Brasil de maneira geral.
Quanto mais critica Dilma e o PT, mais o PSDB a faz conhecida do eleitorado, que pretende votar no candidato apoiado pelo presidente da República. Na última pesquisa do Instituto Sensus divulgada na manhã da quinta-feira 5, dia do debate na Rede Bandeirantes, o primeiro entre os cinco programados até o fim do primeiro turno, Dilma Rousseff aparece com 41,6% das intenções de voto, contra 31,6% de Serra e 8,5% de Marina Silva. Só a soma dos chamados “nanicos” não permite afirmar que o cenário, neste momento, é de uma eleição de um único turno. Mas, como escreve o sociólogo Marcos Coimbra à página 31, a ex-ministra chegou aos 40% sem que Lula ainda tenha, de forma maciça, pedido voto “olhando nos olhos” do eleitor.
Não parece haver alternativa para o presidenciável do PSDB, a não ser utilizar a tevê para tentar convencer o eleitorado de que é mais competente do que a petista no papel de continuador dos anos Lula. Nos debates, -Serra -tentará provocar Dilma para obter algum sinal de “destempero” da rival, atitude que costuma causar forte rejeição do telespectador-eleitor.- Nenhum dos especialistas ouvidos por CartaCapital acredita que o -PSDB-DEM vai apelar para o velho expediente do medo ou dos ataques ao passado guerrilheiro da candidata petista, por ser contraproducente.
“Tenho a impressão que seria uma estratégia pouco inteligente. Este tipo de ataque tem apelo na classe média e na classe média alta, mas não atinge a maioria do eleitorado”, analisa o professor Afonso de Albuquerque, do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense (UFF). “Além disso, essa visão do PT como ‘bicho-papão’ é uma questão superada, reflete um preconceito que já existiu e que foi desmentido pelos oito anos de Lula na -Presidência. Goste-se ou não do governo, deve-se reconhecer que não houve caos algum.”
De acordo com o acadêmico, o horário gratuito não é capaz de mudar o voto, mas de instalar um debate que pode influenciar o eleitor. “Está provado que o eleitor decide mais na conversa com outros eleitores”, opina Albuquerque. Em ordem de importância, hoje, na tevê, em primeiro lugar estariam os debates, em segundo o horário gratuito e em último as aparições dos candidatos no noticiário televisivo. “O noticiário televisivo é muito superficial, anódino, não provoca reação em quem assiste”, avalia Albuquerque, para quem o horário gratuito mobiliza e alerta o eleitor de que vive um período eleitoral.
Dilma Rousseff leva vantagem, em termos de tempo, no horário eleitoral gratuito. Terá mais de dez minutos em cada bloco, contra cerca de sete minutos do adversário Serra e pouco mais de um minuto de Marina Silva. A propaganda vai durar 45 dias em dois blocos diários, totalizando 63 horas ao todo, de 17 de agosto a 30 de setembro. Ao contrário do senso comum, estima-se que a audiência do horário gratuito seja tão alta quanto à do Jornal Nacional da Rede Globo, em torno de 30% dos televisores ligados, mas com uma audiência “em sino”, como definem os especialistas: começa alta, é baixa no meio, e alta novamente no final, quando os espectadores que desligaram o aparelho o ligam novamente para assistir ao próximo programa.
Isso significa que quem abre o horário eleitoral e quem fecha leva vantagem sobre os demais. Em termos de influência sobre o eleitorado, dizem os marqueteiros, são mais importantes os spots espalhados pela programação, já que entram na casa dos telespectadores durante o tempo em que estão assistindo a seus programas favoritos. Também favorece o fato de estas peças serem curtas, com duração de até um minuto.
Nesta eleição, acreditam os especialistas, tanto os spots quanto os programas eleitorais estarão voltados a enaltecer os candidatos, e os ataques estarão mais concentrados na internet, de influência ainda pequena sobre o eleitorado. Segundo pesquisa do Datafolha divulgada no fim do mês, a televisão ainda é o principal meio de comunicação utilizado pelos brasileiros para se informar sobre a disputa presidencial, com 65% da preferência. Os jornais aparecem em segundo lugar, com 12%, e a internet e o rádio em terceiro, com 7% cada.
O Brasil está bem distante, portanto, de repetir o fenômeno ocorrido em 2008, nos Estados Unidos, na eleição de Barack Obama, quando a internet teve importância crucial, sobretudo na mobilização de eleitores e na arrecadação de recursos para a campanha democrata. Os números absolutos confirmam a importância do jogo televisivo por aqui. Enquanto 95% dos lares brasileiros possuem televisão, apenas 23,8% das casas têm acesso à internet, de acordo com a última Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios do IBGE, divulgada em setembro do ano passado.
Os candidatos, é claro, sabem disso. Desde a segunda-feira 2, com o anúncio de que o Jornal Nacional, de longe o telejornal mais assistido do País, iria dedicar 50 segundos aos três principais presidenciáveis (Marina, Dilma e Serra) as agendas de campanha verde, petista e tucana giram em torno de como aparecer bem diante das câmeras de tevê. Ou seja, está aberta a temporada dos afagos a criancinhas, aperto de mãos de populares e aparições forçadas cujo único objetivo é facilitar o trabalho de cinegrafistas e editores dos canais de tevê. A petista, por exemplo, arrumou na quarta 4 uma visita-relâmpago a uma unidade do Hospital Sarah Kubitschek, onde falou sobre saúde. Já Serra, em visita à periferia de São Paulo, fez o que não pretendia só para atender à equipe global: um corpo-a-corpo com eleitores. Como dizia Leonel Brizola, a Globo manda no Brasil.
Dilma Rousseff instalou um púlpito nos jardins do seu QG em Brasília para fazer pronunciamentos e passou, como Serra, a agendar aparições “simpáticas” visitando projetos sociais e afins. Marina (quadro à página 22), abriu um espacinho no treinamento para o primeiro debate na Band, improvisou uma coletiva de imprensa e, assim, garantiu seus 50 segundos de fama no dito horário nobre do dia.
A candidata do Partido Verde, em tese, é a única que tem tudo a ganhar e nada a perder com as generosas aparições no telejornal de William Bonner e Fátima Bernardes. Além dos 50 segundos diários, os três candidatos participarão de uma entrevista com a dupla de apresentadores ao longo das próximas semanas. Serão 10 minutos para cada.
No caso de Dilma Rousseff, será a chance de alcançar a porção do -eleitorado que ainda desconhece ser ela a candidata apoiada por Lula. Nessa faixa, formada por mulheres pobres e nordestinas, concentra-se o maior porcentual de indecisos – perto de 17%.
O que a ex-ministra não pode é errar. E, por errar, leia-se: não pode demonstrar nervosismo, despreparo ou destempero e tem de ser mais concisa ao falar, sem citar tantos números como costuma fazer. Segundo um integrante da campanha petista, Dilma tem de deixar de “ser tão técnica” e falar de uma maneira que o povo entenda. É isto que, de acordo com a fonte, Lula e o (marqueteiro) João Santana repetem para ela o tempo inteiro.
Para melhorar o desempenho da ex-ministra da Casa Civil, descrita como de temperamento difícil e linguagem tecnocrata, foi contratada uma assessora de mídia training, a jornalista Olga Curado. Ex-Globo, Curado treinou Lula em 2006, e tem feito ao menos duas sessões semanais com a candidata. Uma sala foi reservada no escritório da campanha em Brasília especialmente para o treinamento. Quem viu, diz que Dilma está aprendendo a “soltar os bichos”, o que inclui dar gritos para liberar as tensões. Meio esquisito, mas parece funcionar. A petista já estaria dando respostas menos longas e mais claras.
A influência de Curado pôde ser conferida na entrevista que Dilma deu ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em junho, quando substituiu termos como o já famoso “minha filha”, que utilizava no tratamento aos repórteres, por locuções mais polidas, como “permita-me discordar”. “Ela está aprendendo a contar até dez”, diz outro integrante do comitê. A ex-chefe da Casa Civil tem participado, ainda, de encontros com ministros, que lhe explicam em detalhes o funcionamento de áreas que não domina. Foi assim, por exemplo, com José Gomes Temporão, da Saúde, convocado a jantar em sua casa num domingo para lhe dar um quadro de um setor em que Serra carrega a fama de especialista.
A ideia central da campanha petista será demonstrar, tanto nos debates quanto no horário eleitoral gratuito, que Dilma foi “o braço direito” de Lula durante o governo. O tucano, por seu lado, tentará mostrar que a adversária não tem experiência em governar. “A estratégia de Serra na tevê será a mesma que fora dela: ser um contraponto da candidata Dilma, mostrar-se mais competente. Não tem funcionado, mas não vejo outra opção. Subir o tom oposicionista seria um risco muito alto, e ressuscitar a questão ética, como em 2006, não pega”, opina o cientista político Fernando Antonio Azevedo, professor da pós-graduação em Comunicação Política da Universidade Federal de São Carlos.
Para Azevedo, Dilma precisa “errar muito” para perder a posição de vantagem em que se encontra. “O grande risco para ela está nos debates, não no horário gratuito. Dilma não pode se mostrar agressiva ou excessivamente técnica”, diz, confirmando a preocupação do comitê petista. “Mas o problema de Serra é maior porque precisa encontrar um discurso que atinja o eleitor. Ele não consegue se apresentar como uma alternativa de futuro porque está bloqueado no tempo presente, e não pode dizer que este é ruim.”
Vê-se pelo ânimo do PSDB. Convencidos, no início do ano, da vitória certa, o comando serrista trabalha agora para levar a disputa ao segundo turno. Mas da maneira como as coisas caminham, mesmo os analistas mais simpáticos ao tucanato reconhecem haver grande chance de a eleição se decidir em 3 de outubro. Nos últimos dias, as más notícias acumulam-se no ninho tucano. Não bastasse a revoada de aliados nas disputas regionais, como o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio, que passou a apoiar o candidato de Lula ao governo do Amazonas, o ex-ministro Alfredo Nascimento, dois palanques locais de Serra desabaram.
Favorito ao governo do Distrito Federal, o ex-senador Joaquim Roriz, do PSC, teve sua candidatura cassada pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) na quarta-feira 4. Por quatro votos a dois, os juízes do tribunal decidiram, com base na Lei da Ficha Limpa, que Roriz está inelegível por ter renunciado ao Senado em 2007 para se livrar de um processo de cassação do mandato. Ainda cabe recurso, mas em entrevista concedida a CartaCapital em junho, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ricardo Lewandowski, adiantou que os casos de renúncia são exatamente os que o TSE considera os mais complicados de serem revertidos quando apoiados na Ficha Limpa.
Outro aliado de Serra que pode deixá-lo sem palanque é o tucano Expedito Júnior, de Rondônia, também líder na pesquisa ao governo estadual e igualmente impedido de concorrer pelo TRE local. O relator do processo alegou ter indeferido o pedido de cassação por Expedito Júnior por ser alvo de uma investigação judicial eleitoral por abuso de poder econômico e compra de votos. O hoje tucano mantém seu mandato de senador à base de liminares.
A arrecadação de recursos para a campanha tem sido mais uma pedra no sapato de Serra. Levantamentos feitos pela imprensa dão conta de que, no mês de julho, até mesmo Marina Silva amealhou mais recursos do que o presidenciável tucano. Enquanto Dilma informou ao TSE ter arrecadado 11,6 milhões de reais em doações e Marina capitalizava 4,65 milhões de reais, Serra, normalmente apresentado como o candidato preferido do empresariado, levantou apenas 3,6 milhões. A ponto de o presidente do PSDB, Sérgio Guerra, pedir ao próprio candidato empenho pessoal na arrecadação. Para se ter uma ideia do aperto, Geraldo Alckmin, candidato ao governo paulista, conseguiu arrecadar 35% a mais que o presidenciável do partido. Mais um sinal de que se formou em vários setores da sociedade uma sensação, ruim para a oposição, de que a eleição, se não está decidida, caminha rumo a uma definição rápida.
Se Dilma não cometer erros e mantiver o viés de alta, haverá cada vez mais probabilidade de a campanha se encerrar no primeiro turno. Isso -se Marina Silva não conseguir aproveitar a superexposição na televisão -para fazer deslanchar sua candidatura, que tem variado pouco, em torno dos 8% da preferência do eleitorado. Pelo CNT/Sensus, oscilou de 7,3% —em maio para 8,5% em julho. O coman-do da campanha da ex-ministra do Meio Ambiente diz que a estratégia da -candidata é participar de todos os -debates que atinjam público relevante, mas sem deixar a internet e o -rádio de lado. No começo da campanha, os verdes falaram da importância da web para Marina, o que se confirma na pesquisa Datafolha sobre a influência dos meios de comunicação.
Segundo o instituto paulista, os eleitores de Marina são os que mais consideram a internet como principal fonte de informação: 11%, contra 7% dos adeptos de Serra e Dilma. Possivelmente porque a maior penetração da internet ocorre em faixa similar à dos eleitores de Marina: entre os mais escolarizados, os mais ricos e os mais jovens.
“Sabemos que apenas cerca de 10% da população pretende se informar sobre as eleições pela internet”, pondera o ex-deputado federal Luciano Zica, um dos coordenadores da campanha do Partido Verde, chamando a atenção para a participação no rádio. “Eu acho que é o mais importante, tem muito alcance. Ela tem participado de programas populares nos estúdios e dado seguidas entrevistas por telefone.” Já que os estrategistas tucanos parecem meio perdidos, talvez fosse o caso de Serra, neste momento, torcer para que os de Marina tenham razão. Do desempenho da ex-petista, sobretudo, dependerá o desfecho dessa eleição: se no início ou no fim de outubro.
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