A vida no moinho
Uma favela com 900 famílias, cerca de 4.500 pessoas. Barracos de madeira em meio a prédios abandonados, espremidos entre duas linhas da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). O esgoto é a céu aberto, falta água, energia elétrica, faltam condições básicas de saneamento.
A favela do Moinho tem todos os problemas típicos da periferia da capital paulistana – a diferença é que está em plena região central, no Bom Retiro, embaixo do viaduto Orlando Murgel, a três quilômetros da Praça da Sé e da sede da prefeitura.
Esse foi o palco de uma ação de cidadania que a jornalista e produtora Yara Morais, de 22 anos, produziu na última semana de julho para chamar atenção sobre o problema da falta de água.
Com ingressos na forma de alimentos e roupas, Yara reuniu artistas, jornalistas, fotógrafos, integrantes do movimento hip hop, grafiteiros e rappers como Kamau, Du Bronx, Emicida, Crônica Mendes, Sandrão do RZO, o grupo Consciência Humana e o poeta Sergio Vaz..
Nem o frio, muito frio, atrapalhou as crianças do Moinho. Com ajuda dos grafiteiros, elas desenharam seus sonhos nos muros de um terraço de prédio abandonado, local da festa-protesto. Na escadaria que dava acesso à festa, muita fumaça vinha do prédio inacabado e abandonado, das fogueiras que serviam tanto para cozinhar como para tornar o frio mais suportável.
De longe já se ouvia o barulho dos toca-discos e das caixas de som improvisadas. Anoiteceu e, mesmo sem luz, a ação continuou com clima de festa, ao som dos rappers Kamau e Emicida revezando o microfone e cantando “a rua é noiz, noiz, noiz!”.
Yara lembra que o hip hop, naquele momento, chamou a atenção dos moradores para aprender a reivindicar seus direitos, já que a administração atual ainda tem de aprender muito do que se passa debaixo de seu nariz. “Falta água, falta moradia decente para muita gente nesta cidade”, disse Yara, que conheceu a favela do Moinho enquanto produzia um videoclipe da cantora Luisa Maita, gravado no local. “Na verdade, o diretor do vídeo, o fotógrafo João Wainer, foi quem me deu a primeira oportunidade de adentrar na comunidade, pois ele já havia feito algumas fotos lá há alguns anos.”
Os moradores não sabem precisar exatamente quando começou a ocupação localizada entre as linhas de trem que partem do centro da capital às regiões norte e oeste da Grande São Paulo, mas garantem que faz mais de 20 anos. Primeiro, as pessoas se limitaram a ficar embaixo do viaduto, depois se espalharam pelo terreno, ao redor das ruínas do moinho central, uma das inúmeras propriedades do conde Francisco Matarazzo.
De acordo com Sabrina Marques, do Escritório Modelo da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, que presta atendimento jurídico e social à comunidade, há seis processos discutindo a propriedade do terreno. Em 2008, a prefeitura entrou com uma ação de desapropriação, mas a Justiça concedeu a tutela antecipada, autorizando a permanência das famílias até haver um julgamento definitivo.
“Eles se mobilizaram muito, se organizam para ser recebidos pela prefeitura, pela Secretaria de Habitação”, completa a advogada. Ceará, um dos moradores, luta para continuar em casa: “Aqui temos tudo: emprego, escola, atendimento médico, transporte… Por que isso deve ser limitado apenas às pessoas com maior poder aquisitivo?”
Mais informações acesse: http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/51/a-vida-no-moinho