‘Estado de exceção’ criado por Moro incendeia debate sobre democracia no Tuca
As pessoas ainda se acomodavam na noite de ontem (16) para o Ato pela Legalidade Democrática no Teatro da Universidade Católica de São Paulo (Tuca), quando mais uma falsa bomba da coalizão entre mídia e Poder Judiciário para desestabilizar o governo explodiu. Desta vez, era o vazamento, pelo juiz Sérgio Moro, de conversa entre a presidenta Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o termo de posse de Lula para a Casa Civil.
Cercado pela imprensa, em uma das fileiras perto do palco, o presidente nacional do PT, Rui Falcão, deitava as primeiras palavras de repercussão sobre a arbitrariedade do dia, uma tentativa de incendiar mais uma vez a crise política com um grampo ilegal sobre o telefone do Palácio do Planalto – algo que Falcão classificou como “exemplo de estado de exceção dentro do estado de direito”. Para Falcão, a conversa, em si, não permite ilações que criminalizem a presidenta.
Mas o que se viu na noite de ontem no Tuca, palco histórico das lutas pela democracia, foi uma demonstração de união do campo progressista, que perpassa movimentos sociais, trabalhadores, estudantes, comunidades, intelectuais e instituições da sociedade civil. É claro que os ânimos foram inflados pelo ato do juiz do Paraná, que com o depoimento coercitivo de Lula à PF, no último dia 4, escancarou sua relação com a grande mídia para produzir um espetáculo manipulado em favor do golpe.
Enquanto esquentava o ato no Tuca, os grupos de discussão política nas redes sociais ferviam com a notícia do grampo. Manifestantes a favor do golpe se dirigiram para o Palácio do Planalto, para a Avenida Paulista e para a Avenida Prestes Maia, onde Lula mora, em São Bernardo do Campo, no ABC paulista. Por volta de 20h, a TVTcontra-ataca e derruba sua programação para colocar o ato no Tuca ao vivo.
A imprensa independente na internet e tuitaços já falavam em crime de segurança nacional e na destituição de Moro da Operação Lava Jato, quando o presidente do Sindicato dos Advogados do Estado de São Paulo, Aldimar de Assis, disse que apresentará hoje (17) uma nova representação contra o magistrado, por meio dos advogados Marcello Lavenère e Cezar Britto. “Esse juiz não está acima da lei, grampear Lula e Dilma é estupro ao Estado de direito, nós precisamos nos mobilizar”, disse. “Os 6 milhões que foram para as ruas no domingo não nos intimidam, eles querem se igualar aos 54 milhões que elegeram Dilma.”
Mas algumas notícias, na verdade, boatos, diziam também que um bloco se destacava da Paulista e seguia em direção ao Tuca, em Perdizes, zona oeste da capital. Quem estava ligado nas redes sociais ficou tenso neste momento. O confronto é tudo o que a estratégia de defesa da democracia não precisa. Mensagem de Lula pedindo calma para a militância e um vídeo do presidente estadual do PT, Emídio de Souza, também entraram nas redes sociais.
“Precisamos cerrar as nossas fileiras para enfrentar os golpistas de rua e defender a democracia. Um golpe como esse de hoje é para ceifar os direitos dos trabalhadores. O golpe não é contra a Dilma, mas contra você”, afirmou no palco do Tuca o presidente da CUT, Vagner Freitas. “Vamos trabalhar isso no campo jurídico”, disse, apoiando as ações pela preservação de direitos. “Não é possível que se possa grampear a presidente da República impunemente.”
O Tuca estava lotado. Os organizadores do ato pediam para as pessoas sentadas no chão facilitarem a passagem para preservar a segurança do teatro. Do lado de fora, na rua Monte Alegre, uma multidão também acompanhava as falas por um telão.
O escritor Fernando Morais se disse emocionado ao ver o teatro lotado. “As coisas começaram a mudar hoje. Passei o dia discutindo se foi correto o Lula aceitar o convite de Dilma”, afirmou. Sobre a crítica da imprensa de que o ex-presidente estaria fugindo de processo da Lava Jato, Morais afirmou: “Lula pode se pintar de ouro, que essa mídia sem-vergonha vai continuar perseguindo ele”. O escritor também fez uma retrospectiva dos golpistas: “São os mesmos que levaram Getúlio ao suicídio, tentaram impedir a posse de JK, deram golpe em Jango e o golpe militar”. Morais disse que Lula fez muito bem em aceitar o convite: “Agora começa a mudar, o cavalo-de-pau de Dilma é o começo da virada, eles sabem disso, o jogo começou a virar hoje”.
O ato foi articulado pelo Fórum 21, criado depois das eleições de 2014, frente ao recrudescimento conservador, para reunir ideias voltadas ao avanço social, e pelo Centro Acadêmico 22 de Agosto, dos alunos de Direito da PUC-SP. O presidente do Fórum 21, Anivaldo Padilha, denunciou 116 conduções coercitivas realizadas pelo juiz Sergio Moro, sem optar pela alternativa da intimação sigilosa. Ele também defendeu que esse modo de atuação, com base em violação de direitos, cria um estado de exceção propício ao autoritarismo. “O nazismo se insurgiu com exceções. A classe média aceitou isso e quando descobriu que a exceção era regra já era tarde”, afirmou.
O ato teve apoio dos juristas Fábio Konder Comparato e Celso Antônio Bandeira de Mello, do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, da presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Carina Vitral, entre outros nomes do campo progressista. Carina falou no ato em nome da Frente Brasil Popular. Disse que as ações da direita tentam intimidar, mas que os estudantes não são massa de manobra da mídia golpista. A mídia, aliás, foi tão criticada quanto o juiz Sérgio Moro. A filósofa da USP Marilena Chaui, a última a falar também dirigiu suas críticas à manipulação da Rede Globo: “A mídia brasileira é obscena, é o escárnio”.
O fechamento do ato foi feito com os jovens da Liga do Funk. O membro da liga Bruno Ramos falou em nome das comunidades. “Estamos aqui contrariando as ideias conservadoras. A ascensão econômica das classes C e D é do que fala o funk ostentação. Nós temos uma referência chamada Lula”, afirmou. “Na comunidade, não sabem o que é esquerda e direita, sabem o que é a mão que bate e a perna que chuta”, disse em referência à violência policial sobre os jovens.