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Postado em: 13/05/2016 - 16h18 | Maria Julia Nogueira e Rosana Sousa

Artigo: 13 de Maio é luta de raça e classe! Tolerância zero à ameaça aos direitos do povo negro

Iniciamos este texto resgatando a recente frase dita pelo teólogo Leonardo Boff, um dos proponentes da Teologia da Libertação, movimento que reinterpretou o Evangelho a partir das injustiças sociais, políticas e econômicas, fortalecendo a luta de classes: “Se os pobres deste país soubessem o que estão preparando para eles, não haveria ruas que coubessem tanta gente para protestar contra o impeachment”.

Tomando como pano de fundo este importante alerta, compartilhamos algumas reflexões já observadas na primeira fase do impeachment da Presidenta Dilma Rousseff e seus impactos para o povo brasileiro, em especial para a população negra e das periferias.

A votação no Congresso e a cumplicidade silenciosa do Superior Tribunal Federal deixaram estarrecida a população brasileira, bem como a comunidade internacional, que têm diariamente se manifestado por meio de grande parte da imprensa a estupefação diante da ousadia do golpe perpetrado pela elite derrotada nas urnas nos quatro últimos pleitos, em processos eleitorais diretos e democráticos.

Na Câmara, o parlamento rarissimamente ocupado por mais de 500 deputadas e deputados, que deveriam representar a confiança empenhada por milhões de eleitoras e eleitores na condução de temas estruturantes da nação foi transformado num picadeiro a serviço do golpe.

Se isso já não bastasse, trataram os votos recebidos do povo que representam como uma decisão privada, dedicando a representação que é coletiva aos seus familiares em “homenagens” risíveis. Transmitido ao vivo para o mundo, um torturador reconhecido pelo Estado brasileiro, assassino de mulheres trabalhadores, indígenas, recebeu repugnante honraria, como se herói fosse.

A imagem dantesca era de homens (todos brancos) disputando centímetro a centímetro o melhor lugar no “palco”, oprimindo as mulheres que, sem espaço após o voto, eram acotoveladas para que voltassem para “o seu lugar”, não sem antes receberem “elogios” seja por sua beleza por seu voto a favor do impeachment, enquanto outras eram hostilizadas ou até brutalmente ofendidas, quando se posicionavam divergindo dos pensamentos reacionários que tomaram a cena da votação, numa reprodução ao vivo e a cores do comportamento do patriarcado brasileiro, que é de um machismo violento.

No Senado não foi diferente. Reproduziu os acordos que havia na Câmara, porém, com maior “esmero”. Após quatro perdas sucessivas nas urnas, o poder do povo foi tomado e as consequências vão afetar a população como um todo, inclusive os que não têm a percepção do que está em jogo.

Pensar que estas votações obtiveram sucesso dando seguimento ao maior golpe da história brasileira desde 1964, leva-nos a ter de radicalizar a defesa dos nossos direitos, duramente conquistados em processos absolutamente legítimos e constituídos pela via da democracia participativa.

Diferente dos Congressistas, nossa atuação e nossas conquistas não se deram pela via do golpe, mas na construção coletiva, nos fóruns e organismos populares, conselhos, conferências e audiências públicas, nos orçamentos participativos e com a representação do conjunto da sociedade em toda a sua diversidade.

Além das lutas encampadas nos espaços de participação social tivemos ainda as batalhas travadas no parlamento, muitas delas precedidas por grandes manifestações nacionais, a exemplo da Marcha pelo Salário Mínimo e que depois, somadas às demais Centrais, tornaram-se as Marchas das Centrais Sindicais, iniciativa que mobilizou milhões de pessoas em todo o país e que levou milhares à Brasília pressionando o governo a aumentar significativamente o salário mínimo nacional, melhorando assim a condição de vida da população em geral, mas em especial do povo negro, que é o mais precarizado, seja no campo, na cidade, nas águas ou nas florestas.

Nossas lutas fizeram avançar os direitos das trabalhadoras domésticas, que passaram da condição de exploradas a trabalhadoras regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e, também aí há grandes avanços que asseguram igualdade de condições, para uma categoria majoritariamente negra e que estava à margem dos direitos. 

Na educação, os avanços na inclusão da população negra foram expressivos. Os programas sociais PROUNI, ENEM E FIES levaram milhões de jovens a alcançar a educação superior que foram, em 14 anos, maiores do que a inclusão feita ao longo dos mais de 500 anos de história.

Por tudo isso, não podemos dar trégua nem recuar um passo sequer na defesa dos nossos direitos conquistados, dentre eles, o direito à vida dos nossos jovens, vítimas de chacinas, emboscadas e ataques, além do genocídio exercido por uma polícia racista, despreparada e violenta, que executa para depois averiguar. Queremos a nossa juventude, seja ela negra ou não negra, politicamente atuante, estudando, exercendo o direito à democracia, e viva.

No entanto, segundo o Mapa da Violência, só no ano de 2015, foram assassinados por armas de fogo 5058 jovens brancos, enquanto os negros foram 17.120, bem mais que o triplo da juventude branca, isso é o racismo na sua expressão mais perversa de extermínio, continuam arrastando nossos jovens para a cova, tal como eram lançados ao mar nos navios negreiros, ou como são depositados nos presídios, sem a mínima condição de reintegração à cidadania e à sociedade.

Mas, apesar disso, o reacionarismo presente no parlamento do país ainda quer modificar a legislação para reduzir a maioridade penal e, assim, agravar ainda mais o triste cenário a que está submetida a juventude negra deste país. Isso tem que ter um fim. Queremos nossa juventude negra viva!

As mulheres negras são as que mais sofrem estupros e violência doméstica de seus parceiros e parentes em todos os graus, além das demais formas de violência em suas comunidades, especialmente as mulheres negras e lésbicas.

No mundo do trabalho, a ameaça colocada para as trabalhadoras e trabalhadores no parlamento pós-golpe é ampla. A terceirização que multiplica a precarização das condições de trabalho e estabelece o negociado sobre o legislado, a regulamentação do trabalho intermitente por dia ou hora, impedimento de reclamação na justiça do trabalho em caso de demissão sem justa causa – com extinção da multa, susta a Norma Regulamentadora 12 sobre Segurança no Trabalho ampliando os acidentes de trabalho, retirando da jornada o direito de deslocamento para ir e vir do trabalho, dentre outras, que eliminam os direitos e as conquistas de anos da classe trabalhadora. 

Os desafios estão colocados. As cartas estão na mesa. O parlamento eleito pelo povo foi exposto a toda a nação com suas chagas e mazelas para o crivo e o julgamento do eleitorado e da população de forma geral. Caberá a estes, agora, decidirem qual caminho seguir: aceitarem passivamente que lhes sejam tolhidas as conquistas de anos e anos de luta ou ir às ruas defender a democracia, o Estado Democrático de Direito e pôr fim a este golpe parlamentar-jurídico-midiático-empresarial golpista.

Lutemos por uma sociedade justa, igualitária e consciente da importância de seu voto para parlamentares comprometidos com o povo e com o projeto democrático e popular de inclusão social, aumento da renda, ampliação de direitos e por cidadania plena.

Por tudo isso, este 13 de maio, como todos os outros dias para nós é mais um dia de luta e de resistência. O golpe sofrido pela Presidenta atingirá a todos nós, pois desrespeita os mais de 54 milhões de votos recebidos, mas também porque tornará mais difícil a vida do povo brasileiro, em especial da população negra.

A extinção dos ministérios de Cultura e das secretarias de Mulheres, Juventude e Igualdade Racial, dentre outros, são a maior prova maior e imediata de que, embora maiorias – de mulheres e negros – não seremos respeitados em nossos direitos.

Por isso, conclamamos o povo negro de todo o país a não dar trégua na defesa dos nossos territórios, da nossa identidade, da nossa cultura, do livre direito à organização e manifestação, e, que jamais admitamos sermos criminalizados. Nossa tolerância terá que ser zero diante da retirada de quaisquer dos nossos direitos.

 

Maria Julia Nogueira é Secretária Nacional de Combate ao Racismo da CUT e Rosana Sousa é Secretária-Adjunta