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Postado em: 23/10/2024 - 15h37 | D’Avila e Coelho Advogadas Associadas

Falta de energia: trabalhador não precisa repor horas

Devido aos temporais que afetaram várias regiões de São Paulo e Grande São Paulo, muitas empresas ficaram sem energia elétrica, o que levantou a dúvida se os trabalhadores precisam repor essas horas.

Segundo a legislação trabalhista, o empregador é responsável pelos riscos do negócio, incluindo interrupções como a falta de energia. Isso significa que o trabalhador não pode ser penalizado ou ter o salário reduzido por um problema que não foi causado por ele.

O empregador não pode exigir a compensação das horas não trabalhadas por esse motivo, a menos que consiga comprovar uma situação de força maior – algo raro, já que questões como manutenção da rede elétrica e períodos de chuva são previsíveis.

Assim, os trabalhadores não devem repor horas nem ter qualquer prejuízo financeiro por causa da falta de energia elétrica. Confira abaixo o artigo completo produzido pelo departamento jurídico do Sindicato.

Empregador pode exigir que empregado realize a compensação das horas paradas por falta de energia?

Em razão dos temporais ocorridos nos últimos dias, em especial o do dia 11/10/2024, que ocasionou a queda de energia elétrica em várias regiões de São Paulo e Grande São Paulo e, consequentemente, a paralisação das atividades empresariais, surgiu um questionamento quanto à obrigatoriedade dos/as trabalhadores/as repor as horas de trabalho em empresas que estão sem energia.

Nos termos do artigo 2º da CLT e do artigo 7º, VI, da Constituição Federal, que consagram o princípio da alteridade, ao empregador incumbem os riscos do negócio:

Art. 2º – Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

Art. 7º – São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;

Desta forma, na execução do contrato de trabalho, o/a empregado/a, em hipótese alguma, pode participar do risco do negócio. Por isso, qualquer prejuízo decorrente da queda no fornecimento de energia elétrica faz parte do risco do negócio.

Ademais, eventual corte de energia elétrica que venha a impedir a realização da atividade empresarial incide na hipótese de interrupção do contrato de emprego, sendo certo que, ainda que interrompido o pacto laboral, deve o empregado ser remunerado normalmente e ter o seu tempo de serviço computado, uma vez que ele estava e está à disposição da empresa.

Nesse sentido, seguem algumas decisões no tocante à impossibilidade de transferir o risco do negócio ao empregado, inclusive sobre o tema “falta de energia”:

  1. FALTA DE ENERGIA. DISPENSA DOS TRABALHADORES. DESCONTO DAS HORAS. TRANSFERÊNCIA DOS RISCOS DO NEGÓCIO. ILEGALIDADE. Não há dúvida de que integram os riscos da atividade econômica eventuais prejuízos advindos da queda do fornecimento de energia elétrica, seja em razão de panes nas linhas de transmissão, quedas de transformadores por ocasião de chuvas intensas ou sobrecarga natural das redes. É irrelevante se os trabalhadores são horistas, e se, ocorrendo queda de energia prolongada, foram dispensados coletivamente, a pedido ou não. Tais percalços, inerentes ao modo de produção capitalista e à economia de mercado, são considerados na formação de preços, não podendo, sob qualquer óptica, ser repassados aos trabalhadores a pretexto de que estes não teriam cumprido todas as horas de trabalho. Os princípios da irredutibilidade e da intangibilidade do salário estão expressos, respectivamente, nos artigos 7º, inciso VI, da Constituição Federal e artigo 462 da Consolidação das Leis do Trabalho, traduzindo valores de tal magnitude que não podem ser abdicados pelo trabalhador, tampouco tangenciados pelo empregador ou subvertidos pela negociação coletiva. Os descontos assim praticados são absolutamente ilegais, vez que o salário é intangível e irredutível, devendo a reclamada arcar com os riscos do negócio (art. 2º, caput, CLT). Sentença mantida.
  2. CONTRATO A PRAZO DETERMINADO. “CARTA DE ENCERRAMENTO”. CONVERSÃO EM PEDIDO DE DEMISSÃO. NULIDADE. A carta de fls. 89 não faz sentido, pois não há necessidade de manifestação formal de vontade no encerramento de um autêntico contrato por prazo determinado, cujo término é automático na data aprazada. Aferida a fraude na modalidade de contratação, não é razoável transportar seu conteúdo para adaptá-lo, como se pedido de demissão fosse, em um ambiente de contrato por prazo indeterminado. Neste contexto, e considerando-se o princípio da continuidade do contrato de trabalho, impõe-se o reconhecimento da dispensa imotivada, de iniciativa do empregador, resultando devidas as verbas rescisórias inerentes a esta modalidade rescisória. Recurso provido.
  3. DESCONTO DE DIAS NAS FÉRIAS. NORMA COLETIVA. ILEGALIDADE. Não se pode considerar como regular a negociação coletiva que permite descontar dias de férias, reduzindo o descanso anual do empregado. Tal avença é flagrantemente contrária à disposição do parágrafo 1º do art. 130 da CLT. Recurso obreiro provido. (TRT-2 – RO: 00011688120135020331 SP 00011688120135020331 A28, Relator: RICARDO ARTUR COSTA E TRIGUEIROS, Data de Julgamento: 25/03/2014, 4ª TURMA, Data de Publicação: 04/04/2014)

RECURSO ORDINÁRIO DA RÉ. PAGAMENTO RETROATIVO. NORMA COLETIVA. RISCO DO NEGÓCIO. O risco do negócio deve ser sempre da empresa e sua transferência para o trabalhador, ainda que atinja seu meio de sustento (salário), é inadmissível. É inegável que o empresariado brasileiro sofreu e sofre com inúmeras crises econômicas que assolam historicamente o nosso país. Não obstante, a compensação da menor atividade financeira do empregador jamais poderá atingir o direito alimentar do empregado, ainda mais se considerarmos a vontade coletivamente negociada. Recurso ordinário da ré conhecido e não provido. (TRT-1 – RO: 01003330520215010055 RJ, Relator: RAQUEL DE OLIVEIRA MACIEL, Data de Julgamento: 09/02/2022, Sétima Turma, Data de Publicação: 23/02/2022)

RISCO DO NEGÓCIO – ÔNUS DO EMPREGADOR – TRANSFERÊNCIA PARA O EMPREGADO – IMPOSSIBILIDADE. Deve a ré ser condenada a indenizar o autor no valor da multa que lhe foi imposta pela ANAC, pois ela só ocorreu porque o reclamante estava à serviço da ré. O risco do negócio não pode, jamais, ser transferido para o empregado, como é o caso em questão. O art. 2º da CLT expressamente afirma que empregador é a empresa, individual ou coletiva que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. A multa imposta ao reclamante faz parte dos riscos da atividade econômica e, com ela, deve a ré suportar. (TRT-1 – RO: 00108173920135010027 RJ, Relator: CELIO JUACABA CAVALCANTE, Data de Julgamento: 29/10/2014, Décima Turma, Data de Publicação: 18/11/2014)

É bom lembrar que o empregador poderá levantar a hipótese de força maior e consequente aplicação do art. 61 e seguintes da CLT, para assim exigir a compensação:

Art. 61 – Ocorrendo necessidade imperiosa, poderá a duração do trabalho exceder do limite legal ou convencionado, seja para fazer face a motivo de força maior, seja para atender à realização ou conclusão de serviços inadiáveis ou cuja inexecução possa acarretar prejuízo manifesto.
§ 1º – O excesso, nos casos deste artigo, pode ser exigido independentemente de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.
§ 2º – Nos casos de excesso de horário por motivo de força maior, a remuneração da hora excedente não será inferior à da hora normal. Nos demais casos de excesso previstos neste artigo, a remuneração será, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) superior à da hora normal, e o trabalho não poderá exceder 12 (doze) horas, desde que a lei não fixe expressamente outro limite.
§ 3º – Sempre que ocorrer interrupção do trabalho, resultante de causas acidentais ou de força maior, que determinem a impossibilidade de sua realização, a duração do trabalho poderá ser prorrogada pelo tempo necessário até o máximo de 2 (duas) horas, durante o número de dias indispensáveis à recuperação do tempo perdido, desde que não exceda 10 (dez) horas diárias, em período não superior a 45 (quarenta e cinco) dias por ano, sujeita essa recuperação à prévia autorização da autoridade competente.

Pensando nisso, salienta-se que a força maior é um termo jurídico que se refere a eventos que estão além do controle humano e que impedem o cumprimento de obrigações previamente assumidas. Na CLT, a força maior é regulamentada no artigo 501 e seguintes:

Art. 501 – Entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente.
§ 1º – A imprevidência do empregador exclui a razão de força maior.
§ 2º – À ocorrência do motivo de força maior que não afetar substancialmente, nem for suscetível de afetar, em tais condições, a situação econômica e financeira da empresa, não se aplicam as restrições desta Lei referentes ao disposto neste Capítulo.

De acordo com a CLT, a força maior é definida como “todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente”.

Dessa forma, o empregador não poderá exigir que os trabalhadores repitam as horas não trabalhadas em decorrência da falta de energia elétrica, que é um evento que não está sob seu controle.