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Postado em: 22/03/2019 - 15h40

21 de março – Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial

O mito da “democracia racial” percorre o cotidiano de cada negra e negro brasileiro, dos exemplos mais concretos da vida até o seu drama íntimo da identidade racial.

O racismo é palavra chave para a compreensão da formação social do Brasil, um país marcado pela enorme presença negra onde a elite colonial precisava garantir uma forma de dominação material que não precisasse de leis segregacionistas, como as que foram implementadas nos EUA. Em lugar disso, vendeu a ideia de que o Brasil era um país miscigenado, onde se havia eliminado as raças a partir da vontade do português de misturar-se, e da docilidade do negro de se adaptar.

Essa história absurdamente falsa foi, por muito tempo, a tônica das relações raciais no Brasil, um discurso sobre si mesmo que o país explicitava para todo o mundo, que dificultava a percepção e denúncia do racismo que se manteve poderoso na relação de trabalho e na repressão estatal, comprovados estatisticamente.

Em todo o país, 71% das 60 mil pessoas assassinadas no Brasil em 2017 eram negras, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. No mercado de trabalho, a falta de oportunidades para os negros vai além da sua pouca representatividade em cargos de chefia. Negros e negras são os que mais sofrem com a falta de proteção do direito do trabalho, a desigualdade salarial e o desemprego. Além disso, a maioria das pessoas que enfrentam problemas relacionados à pobreza, como violência de gangues, insegurança alimentar, desemprego, acesso limitado à educação e falta de moradia, também é negra.

Para entender o Brasil, é preciso entender o racismo para além dos comportamentos e sim como estrutura que se expressa em uma lógica que prejudica não uma vítima negra, mas sim o conjunto da população negra do país.

O projeto genocida tem ganhado novas proporções desde o golpe de 2016 que em uma escalada frenética retirou direitos e aprofundou o genocídio da população negra de forma drástica e aguda.

A eleição do Bolsonaro elevou como presidente uma figura abertamente racista. Essa eleição também nos trouxe políticas nefastas como à reforma da previdência que provocará uma limpeza singular dos mais pobres e periféricos, uma limpeza étnica quase que silenciosa no país. Essa proposta do governo Bolsonaro associada à “reforma” Trabalhista de Michel Temer perpetuarão a lógica da escravidão que impõe aos negros as piores formas de trabalho com direitos mínimos.

Reforma previdenciária é a nova lei dos sexagenários

A primeira forma de aposentadoria que se tem notícia por aqui foi à lei dos sexagenários ou Lei Saraiva-Cotegipe (n.º 3.270) de 28 de setembro de 1885, garantindo liberdade aos escravos com mais de 60 anos.

Mesmo com 60 anos, o escravizado era obrigado a trabalhar por mais três anos a título de indenização para o proprietário; já o escravo com mais de 65 anos estava dispensado das obrigações. É bom lembrar que a expectativa de vida dos escravizados não alcançava 45 anos, e ainda assim ouve uma reação dos senhores de escravos resultando no aumento do limite de idade de 60 para 65 anos.

Pesquisa publicada pelo IBGE apontou que em 2015 a expectativa média de vida do brasileiro branco era de 73,13 anos. Já entre os negros e pardos a expectativa de vida era de 67,03 anos, seis a menos que os brancos. Lembrando ainda que é insignificante a presença negra e parda na previdência privada, assim como é ínfima presença entre os que ganham acima de dois salários mínimos na previdência pública segundo dados do IBGE.

A liderança da expectativa de vida no país era do estado de Santa Catarina, com média de 78,7 anos entre homens e mulheres. A última posição ficava com o estado do Maranhão, com média de 70,3 anos. O estado de Santa Catarina tem 83,97% de população autodeclarada branca, o que o concede a posição de estado mais branco da nação, proporcionalmente. O Maranhão, por outro lado, é o terceiro mais negro, com 76,2% da população preta ou parda, atrás somente dos estados do Pará, com 76,7% e Bahia, 76,3%.

Analisando esses números, a grosso modo, podemos afirmar que se aprovada pelo congresso, a reforma previdenciária colocará negros e brancos em patamares parecido com a do período escravocrata, onde morria-se bem antes de parar de trabalhar.

Diante dessa desigualdade, os parâmetros mais rígidos de acesso aos benefícios, à ampliação do sistema de capitalização privada e o aumento no tempo de contribuição para acessar a Previdência de forma integral, com 40 anos, previsto na “reforma”, devem agravar ainda mais as disparidades de gênero e raça, principalmente em um país que não reconhece o racismo como um fenômeno que produz desigualdades. Uma idade mínima que supera a longevidade é negar o direito à aposentadoria.

A previdência e as garantias trabalhistas são o mínimo que o Estado brasileiro poderia nos dar. E ele nos deve muito mais.

Marielle Franco

Há um ano, antes da eleição de Bolsonaro, a morte de Marielle Franco já dava dicas do rumo que o regime brasileiro poderia começar a tomar. Isso porque há uma diferença importante entre as mortes que o Estado já realizava contra as massas negras e a morte de uma vereadora.

O racismo à brasileira é letal e Marielle expôs em seu trabalho como a cor de pele impacta drasticamente na segurança e na vida do brasileiro. Ela lutava contra a violência policial e por justiça social. Falava abertamente sobre raça, violência e era particularmente crítica às ineficazes respostas do governo à quantidade de tiroteios policiais nas favelas mais negras do Rio de Janeiro.

Marielle foi vereadora por apenas 437 dias. Para que a vida dessa mulher, negra, mãe e cria da favela da Maré não tenha sido em vão, é fundamental não se calar, não esquecer do que ela defendeu. Ela dizia que ocupar a política é fundamental para reduzir as desigualdades que nos cercam. Precisamos avançar em novas formas práticas de resistência.

Convidamos a todos nesse dia de luta contra a discriminação racial, a lutar contra a reforma da previdência que nos fará regredir aos tempos da escravidão.

Nós da CUT seguiremos lutando em nome de todos os trabalhadores para que possamos sobreviver a esses tempos tão sombrios.

NÃO A REFORMA DA PREVIDÊNCIA!

O Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial, criado pela Organização das Nações Unidas (ONU), é celebrado em 21 de março em referência ao Massacre de Shaperville, na África do Sul. Em 21 de março de 1960, em Joanesburgo, centenas de pessoas faziam um protesto contra a Lei do Passe, que obrigava a população negra a portar um cartão que continha os locais onde era permitida sua circulação. Apesar de ser uma manifestação pacífica, a polícia do regime de apartheid abriu fogo sobre a multidão resultando em 69 mortos e 186 feridos.

Por Maria Júlia Nogueira e Rosana Sousa.  Maria Júlia Nogueira é secretária de Combate ao Racismo da CUT. Rosana Sousa é secretária de Comunicação do Sindicato e secretária-adjunta de Combate ao Racismo da CUT